A polémica despoletada pelo abaixo assinado de forças da direita contra a obrigatoriedade da disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento tem que se lhe diga!
O que é, afinal, esta disciplina, de que se trata? O documento de enquadramento é bastante extenso e pode ser consultado no site da Direcção Geral da Educação, aqui. Inicialmente, tratava-se de uma disciplina optativa do currículo escolar "das escolas públicas" e das que com elas têm protocolo/acordo, existente desde o ano lectivo de 2012/2013. O presente governo definiu, entretanto, uma Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (Decreto-Lei nº 55/2018) através da qual aquele tipo de ensino deveria ser reforçado. Segundo as novas directivas, assiste-se a...
"o reforço da Educação para a Cidadania desde a Educação pré-escolar até ao final da escolaridade obrigatória. A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento faz parte das componentes do currículo nacional e é desenvolvida nas escolas segundo três abordagens complementares: natureza transdisciplinar no 1.º ciclo do ensino básico, disciplina autónoma no 2.º e no 3.º ciclos do ensino básico e componente do currículo desenvolvida transversalmente com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação no ensino secundário".
Ora, a grande questão parece ter a ver com a obrigatoriedade desta disciplina, o facto de os conteúdos nela ministrados poderem ser "subversivos" para alunos de tenra idade, e sobretudo a sua "natureza ideologizante".
Eis o que se nos oferece dizer sobre isto, depois de várias trocas de impressões com colegas "no terreno", pais e outras e outros cidadãs e cidadãos participativos:
-1. A Educação para a Cidadania poderia/deveria ser TRANSVERSAL A VÁRIAS DISCIPLINAS em vez de constituir uma disciplina autónoma, é uma das críticas. Ora, os seus conteúdos são transversais e transdisciplinares ao nível do 1º ciclo, quando os alunos estão em idades mais jovens - entre os 6 e os 10 anos. O argumento de que temas como o aborto ou outros aspectos da saúde reprodutiva, por exemplo, vão chocar a ingenuidade própria dos 6 anos não se coloca... A não ser que ...
-2. A formação dos docentes não é adequada. É, certamente, um risco. Mas... este facto, sobejamente lamentado e analisado, não se circunscreve ao ensino desta disciplina e destes conteúdos. A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES, e sobretudo uma sólida formação humanista, é naturalmente indispensável, nesta disciplina e não só.
-3. O programa é desadequado, tem falhas... Muito bem: REVEJA-SE O PROGRAMA. Na concepção da Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania, e tal como se pode ler no documento hiperligado no 2º parágrafo, foram auscultados docentes, alunos, representantes da sociedade civil... Se não foi suficiente, há que rever o processo, não eliminar a disciplina.
-4. A disciplina é "IDEOLOGIZANTE"... Mas: sê-lo-á mais do que a História, ou o Português? Não dependerá isso, fundamentalmente, da formação do docente?
Em nossa opinião, a disciplina é fundamental e deve ser mantida embora com as revisões e o acautelar de riscos acabado de referir.
Porquê?
1.- A Educação para a Cidadania, em todas as componentes que abrange, é fundamental para a formação de jovens numa sociedade democrática: aprendizagem e formação para a preservação do ambiente e da sustentabilidade; para a igualdade de género, quando se começa por assistir desde logo à violência no namoro; para a saúde e saúde reprodutiva e sexualidade, precisamente para se prevenirem problemas e dramas para os quais a disciplina também sensibiliza e que os detractores consideram como chocantes, apesar de fazerem parte do dia a dia de muitos jovens; para a literacia financeira, já que é fundamental saber gerir um orçamento e é bom que se comece logo a fazê-lo a partir de uma mesada ou a reflectir sobre a inexistência da mesma; porque é fundamental saber ser cidadã e cidadão no trânsito, na mobilidade em geral, onde o respeito pelo outro e por si próprio são fundamentais e devem ter sido previamente adquiridos... etc
2-. Por outro lado, cidadãs e cidadãos somos/deveremos ser, todas e todos. Não se trata de uma opção, antes de um dever e um direito, ou melhor, de um conjunto de deveres e direitos fundadores da democracia. Não é, portanto, um problema da mesma natureza da opção ou não por uma religião ou filiação partidária ou política. Deve, portanto, fazer parte do programa obrigatório. E deve ser assim também por uma questão de igualdade de oportunidades, já que muitos alunos não encontram em casa possibilidade de formação e enquadramento para estes valores.
3.- Finalmente, a existência de uma disciplina de Educação para a Cidadania não é um dogma, antes uma atribuição da democracia. O que significa que se pode, e deve, discutir os seus possíveis erros de conteúdo e de pedagogia de ensino, de preferência auscultando amplamente a população interessada.
O que Educação para a Cidadania não faz/não deve fazer é proselitismo religioso ou político. Nem promover valores contrários aos fundamentos da democracia. Por muito que custe aos seus detractores de direita.Para satisfazer os interesses destes últimos existem escolas privadas. E, mesmo aí, e porque todos utilizamos directa ou indirectamente bens públicos, o Estado democrático não pode nem deve eximir-se dos seus deveres de regulador em última instância.
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