01 setembro 2011

Estratégia orçamental – Afinal, para onde vamos?

Foi ontem divulgada a estratégia orçamental do Governo para os próximos 3 anos a qual, como seria de esperar, está em sintonia com o programa de austeridade imposto pela Troika.
Já, a seu tempo, neste blogue, criticamos a estratégia então acordada com o FMI e instâncias comunitárias e pusemos em dúvida a sua eficácia, do ponto de vista dos objectivos visados, nomeadamente o equilíbrio orçamental.
O que então escrevemos adquire, agora, redobrada oportunidade, uma vez que a estratégia que o Governo acaba de apresentar não só contem medidas que excedem a austeridade imposta pela Troika, como envereda por soluções de recurso a novos impostos e cortes na despesa do Estado muito penalizadoras para os grupos sociais de rendimento médio e baixo bem como comprometedoras do crescimento económico e do emprego.
Por outro lado, o que é mais chocante nesta estratégia orçamental apresentada pelo Governo é que ela continua a aceitar, acriticamente, que o desemprego, o empobrecimento das famílias, a desigualdade, a recessão sejam consideradas como meras variáveis de ajustamento do modelo, deixando de lado o indispensável debate em torno de objectivos últimos da economia como sejam: um crescimento sustentável da produção nacional; uma repartição mais equitativa da riqueza e do rendimento; a eliminação da pobreza; a criação de oportunidades de emprego para os activos desempregados; a melhoria do nível e qualidade de vida das pessoas; o melhor aproveitamento dos nossos recursos potenciais; o desenvolvimento equilibrado do território nacional, a sustentabilidade da nossa economia, o nível e qualidade da saúde, da educação, da segurança social, a inovação científica e tecnológica, a segurança interna…
Ninguém de bom senso ignora ou subestima a necessidade de saneamento das nossas finanças públicas, ou não deseja que elas se tornem transparentes e sustentáveis; e também é pacífica a opinião colectiva de que importa corrigir ineficiências que se verificam em alguns serviços públicos, reduzindo despesas desnecessárias.
Porém, sem ter em linha de conta uma clara definição de objectivos finais, fazendo da correcção do desequilíbrio das contas públicas um obsessivo objectivo central, corremos o risco de ficar mais pobres, com menor coesão social, com propensão a maior implosão social, cenário este que, certamente, os autores da actual estratégia orçamental deveriam seriamente ponderar, pois, a verificar-se, é também a correcção do défice e a redução da dívida que ficarão sucessivamente adiadas.
Afinal para onde vamos?

5 comentários:

  1. O que é importante perceber sempre, em qualquer debate sobre qualquer tema, é quais as alternativas. Dizer que as medidas apresentadas não geram emprego ou não trazem equidade na distribuição dos rendimentos é um começo, mas o que poderia ser diferente? Que medidas práticas poderiam ser tomadas em vez das anunciadas?

    Tornaríamos os debates bem mais claros se avançássemos com ideias práticas que permitissem, de facto, substituir as (aparentes) medidas negativas apresentadas. Não quero com isto dizer que o Governo tem toda a razão, pelo contrário. O que eu gostaria de conhecer, como leigo na matéria, é que caminhos reais poderíamos trilhar de forma diferente. Não caminhos teóricos, mas práticos. Conhecer medidas práticas que permitam, de facto, contrariar estas apresentadas. Isso sim, seria muito útil, e este grupo que se dedica a alimentar este blogue com comentários tão pertinentes, tenho a certeza que poderia contribuir também de forma prática para o debate.

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  2. Agradeço o seu comentário.
    Concordo com o seu desejo de maior debate sobre propostas alternativas concretas. Por exemplo, uma estratégia visando um desenvolvimento sustentável de base territorial e assente no melhor aproveitamento de recursos locais, incluindo a mão de obra em situação de desemprego, mas também poupanças subutilizadas e outro tipo de recursos disponíveis a esse nível. Não deve descurar-se a aposta no desenvolvimento endógeno, que gere maior autonomia em relação ao exterior. Por outro lado, só a produção de maior riqueza nacional permitirá fazer face ao endividamento já contraído .
    Quanto ao saneamento das finanças públicas, ele é necessário e urgente, mas para o conseguir há que pôr em marcha reformas estruturais da Administração Pública que assegurem ganhos de eficiência.
    Sobre estas matérias ver o manifesto “Para uma nova economia”, publicado neste blogue.

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  3. Cara Manuela,

    Concordo com o aproveitamento dos recursos locais, mesmo os que estão no desemprego, mas o problema neste momento é exactamente o excesso de recursos que o Estado possui: há, pelos vistos, trabalhadores a mais no Estado, já que é tendência diminuir o número de trabalhadores (e é de facto a via mais fácil para redução de despesa, podendo não ser a mais eficiente a médio e longo prazo). Assim, não há falta de mão-de-obra, o que há é dificuldade em fazer uma gestão correcta da mão-de-obra que existe.

    Quanto à produção de riqueza nacional, concordo que é a única saída. No entanto, e para garantir um corte a muito curto prazo, como precisa de garantir, tem o governo outra solução que não seja esta que está a apresentar? Qual seria, em vossa opinião prática, não teórica, as soluções para resolver o endividamento a curto prazo como ele tem de ser resolvido?

    Depois, a médio prazo, há outros problemas estruturais para serem resolvidos, não só na estrutura do Estado, mas na mentalidade de quem ganha e faz ganhar dinheiro neste país. Há muito que quem ganha dinheiro se devia ter convencido que chegou a altura de ganhar menos dinheiro. O problema é que todos querem continuar a ter os mesmos lucros, e isso leva a despedimentos e a sobrecarga de trabalhadores mal pagos. E isto não é só nas grandes empresas, é também nas PME, muitas sem líderes capazes de garantir um eficaz crescimento da empresa e, ao mesmo tempo, um rendimento justo aos seus trabalhadores. E esta mudança vai ser a parte mais difícil de todo este imbróglio em que estamos metidos...

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  4. As suas questões vêm reforçar a necessidade imperiosa de uma clarificação acerca dos objectivos visados antes de qualquer apreciação crítica das propostas em análise Por exemplo, dizer que há excesso de recursos quando temos tantas necessidades por satisfazer em domínios tão fundamentais da vida colectiva como sejam a saúde, a educação, a segurança social, etc. não faz sentido. O mesmo direi acerca da duração dos actuais horários de trabalho, manifestamente penalizadores da vida pessoal, familiar e cívica dos trabalhadores empregados …

    Num aspecto concordo consigo: está na hora de uma grande mudança de mentalidade, nomeadamente por parte de quem assume funções dirigentes (nas empresas, no Estado ou nas IPSS). Há que pensar nas pessoas e na qualidade da vida em sociedade em primeiro lugar, colocar a economia ao seu serviço e as finanças ao serviço da economia. Esta mudança de mentalidade é um imperativo para poder ultrapassar a própria crise.

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  5. Clarificação é, de facto, o melhor termo. Desde há muito que vivo por um lema que muitos não seguem: eu trabalho para viver, não vivo para trabalhar. E esta é uma diferença bem grande na definição do que eu sou como pessoa e do que quero ser no futuro.

    Seria bom que mais entendessem esta filosofia, mas muitos não podem, exactamente porque os que estão acima não compreendem. É preciso de facto clarificar o que está em causa, mas se o governo já não o fazia, este pelos vistos pouco está a fazer também. É uma pena que não haja mecanismos que pudessem obrigar a clarificar e, até, penalizar quem lesa tanta gente por causa de uma má gestão, da mesma forma como na Islândia isso poderá acontecer, caso se prove essa negligência...

    Somos um povo de brandos costumes, e isso é bom. Mas não deveria ser levado à letras em todas as áreas da nossa sociedade, nomeadamente na Justiça...

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