02 outubro 2010

Precariedade do trabalho: modelo de sociedade?

Parece precipitado fazer uma ligação tão directa entre precariedade do trabalho e modelo de sociedade. Tem assim um alcance tão profundo um problema que costuma situar-se na esfera dos problemas laborais ou das políticas de emprego?

Sem entrar na polémica da definição do conceito de precariedade de trabalho/emprego, estou a referir-me à fragilidade de vínculos de relação laboral (contratos a prazo certo ou incerto, trabalhadores isolados por conta própria) e a horários de trabalho de grande variação e incerteza.

A precariedade do vínculo de emprego tem vindo a aumentar desde há vários anos e também em Portugal. No nosso país, só contando os contratados a prazo, são 22% os trabalhadores nessa situação. Se lhes juntarmos os cerca de 800.000 isolados por conta própria andaremos pelos 1.800.000. Já vi estatísticas a situarem nos 27% os trabalhadores na Administração Pública com vínculos precários. E é conhecida a incapacidade (e falta de vontade) da AP para, por exemplo, acabar com os “falsos recibos verdes” nos seus próprios serviços.

A precariedade do trabalho (dentro do processo de desregulação da actividade económica) foi-se insinuando, cresceu nos últimos 20 anos, foi sendo considerada como algo de “normal”, daí passou a “norma”, e tem já o estatuto de “estrutural” (como já se lhe referem vários sociólogos do trabalho), começa a ser um pilar do discurso do “novo modelo” ou “paradigma”. Apresenta-se, portanto, como inevitável. Mais: como novo valor ou padrão, com o vestido mais “bonito” da “flexibilidade”.

Já não se trata (apenas) de problema de política de emprego. Afectando já o modo de vida de milhões de trabalhadores, transformando o seu quotidiano num quotidiano cujo horizonte é o da incerteza do amanhã, como é que se pode falar de “desenvolvimento humano” nesta situação? Na enorme maioria dos casos, trabalho precário equivale a vida precária: que “projecto” pode incluir uma vida assim? Convém lembrar: são jovens que não podem planear os seus futuros, são adultos vivendo na angústia, crianças rodeadas de gente sem tempo para elas. É todo um modelo de sociedade que se está a construir (embora a palavra “construir” seja, assim, desajustada…). As consequências sobre a saúde, a vida familiar, as crianças são contraditórias com discursos apontando para o padrão da flexibilidade como motor de desenvolvimento. Um exemplo desta contradição: a precariedade, em muitos casos, tem efeitos negativos sobre a empregabilidade.

Esta reflexão retomei-a, ao pensar no que Manuela Silva diz no “post” de 22/9 quando inclui nos eixos de uma estratégia de desenvolvimento “a criação de condições favoráveis à conciliação da vida profissional com a vida pessoal, familiar, pessoal e cívica”.

1 comentário:

  1. Porque razão os cidadãos aceitam passivamente que um banco (e empresas no geral) repercuta os aumentos dos seus custos e impostos nos seus clientes e não aceitam que os trabalhadores repercutam os aumentos dos seus custos e impostos nos seus clientes, os patrões? Obviamente se deve ao facto de os bancos serem poucos e uma alteração nos lucros não implicará nunca deixar de encher a barriga e ser assim mais fácil fazer um acordo entre eles, enquanto os trabalhadores são muitos e qualquer alteração nos seus salários implicará de certeza alterações imediatas na sua dieta. Na práctica é devido à posição negocial que ambos os grupos têm entre si. Mas era bom que este facto fosse claro para os cidadãos...

    Alcides Santos

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