04 dezembro 2019

O QUE NOS DIZEM OS NOVOS DADOS SOBRE A POBREZA MONETÁRIA PUBLICADOS PELO INE

A recente publicação pelo INE dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social obtidos a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2019, e que incidiu sobre os rendimentos auferidos pelas famílias em 2018, permite uma leitura actualizada sobre a evolução das condições de vida da população e a identificação dos principais factores de vulnerabilidade social no nosso país. 
 
Um dos aspectos mais salientes dos dados agora divulgados prende-se com o significativo crescimento do rendimento mediano das famílias registado e o consequente aumento do limiar de pobreza. O rendimento mediano por adulto equivalente teve um incremento nominal de 7,2% (6,2% em termos reais) traduzindo uma efectiva melhoria do nível dos rendimentos familiares. Consequentemente, a linha de pobreza monetária que, em 2017 era de 468 euros mensais para um individuo isolado subiu 33 euros, fixando-se em 2018 nos 501 euros. Se, em alternativa, considerarmos uma família constituída por dois adultos e duas crianças o limiar de pobreza para essa família passou de 982/mês para 1052 euros.
 
Esta maior exigência da linha monetária de demarcação entre a população pobre e não pobre não pode deixar de se repercutir na quantificação da população pobre. Por exemplo, se considerarmos um indivíduo que em 2017 auferia mensalmente 480 euros/mês ele era considerado como não pobre. Se os seus rendimentos em 2018 se mantiverem inalterados, o acréscimo do limiar de pobreza faz com que ele passe estatisticamente a ser considerado como estando em situação de pobreza.
 
Neste contexto, o facto de em 2018 a taxa de pobreza se ter reduzido ligeiramente, passando de 17,3% em 2017 para 17,2% em 2018, não pode deixar de ser interpretado como um resultado positivo. Note-se que, se aplicássemos o limiar de pobreza de 2018 à distribuição dos rendimentos de 2017 a taxa de pobreza desse ano seria superior aos 20%.
 
O efeito conjunto da alteração dos rendimentos familiares e da subida do limiar de pobreza repercutiu-se, porém, de forma diferenciada nas condições de vida de diferentes grupos sociais, como é possível observar através da leitura dos vários indicadores disponibilizados pelo INE.
 
Entre os aspectos mais positivos destacam-se:
 
A redução, ainda que ligeira, da incidência da pobreza, que atingiu em 2017, 17,2% da população total, o valor mais baixo desta taxa desde que o INE a começou a publicar anualmente em 1995.


A intensidade da pobreza (que avalia quão pobres são os pobres) desceu de 24,5% para 22,4%;


A proporção de crianças e jovens em situação de pobreza diminuiu 0,4 pontos percentuais (p.p.), passando de 18,9% em 2017 para 18,5% em 2018;

A taxa de pobreza da população idosa reduziu-se de 17,7 para 17,3%; 
 
A taxa de privação material baixou de 16,6% para 15,1% enquanto que a taxa de privação material severa registou uma redução de 6,0% para 5,6%;

A proporção de famílias com forte exclusão do mercado de trabalho ou baixa intensidade laboral passou de 7,2% para 6,2%;

A desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini, registou uma ligeira diminuição de 32,1% para 31,9%, alcançando o valor mais baixo de toda a série registada pelo INE.


Os resultados anteriores, ocorridos como referido num contexto de um forte incremento do limiar de pobreza, não podem deixar de ser globalmente considerados como positivos e confirmam a tendência dos últimos anos de redução da pobreza monetária, da privação material e das desigualdades económicas.

Mas os dados agora difundidos pelo INE reforçam igualmente a preocupação já anteriormente existente quanto a alguns dos grupos mais vulneráveis da sociedade portuguesa. 
 
Apesar da ligeira redução verificada na proporção de crianças e jovens em situação de pobreza as famílias com crianças continuam particularmente vulneráveis à incidência da pobreza tendo mesmo a sua taxa de pobreza registado um incremento de 18,1 para 18,3%. As famílias monoparentais, em particular, registaram um forte agravamento da sua exposição à pobreza monetária tendo a sua taxa de pobreza subido de 28,2% para 33.9%. A exposição à pobreza de milhares de crianças e jovens no nosso país permanece como o principal factor de preocupação na identificação das famílias económica e socialmente mais vulneráveis.


Igualmente no que concerne à situação da pobreza da população desempregada se registou um significativo agravamento. Apesar da redução da população em situação de desemprego ter diminuído de 8,9% em 2017 para7,0% em 2018, e certamente ter-se reduzido o número de desempregados em situação de pobreza, a taxa de incidência da pobreza nos desempregados aumentou 1,8 p.p., fixando-se em 47,5%, um dos valores mais elevados e mais preocupantes no conjunto da população.


Por último, a proporção da população empregue em situação de pobreza aumentou de 9,7% para 10,8%. Ainda que uma parte deste acréscimo possa ser explicada pelo incremento do limiar de pobreza, não deixa de constituir um factor de preocupação acrescida a existência de uma percentagem tão expressiva de indivíduos que apesar de terem um emprego não conseguem evitar a situação de pobreza. Os baixos níveis salariais de uma parte significativa da população empregue, a persistência de condições de precariedade no mercado laboral e as desigualdades salariais que nele ocorrem são certamente factores explicativos da existência destes trabalhadores pobres.


Que balanço global podemos fazer destes números? É indiscutível que eles confirmam a tendência registado nos últimos anos conducentes a uma melhoria relevante da condição social do país e que conduziu a uma redução dos principais indicadores de pobreza, de privação material e de desigualdade. Tal deve-se em grande medida à recuperação económica do país, ao crescimento económico e à queda do desemprego. Mas deve-se igualmente a uma preocupação acrescida das políticas públicas com as questões sociais, com a preocupação de priorizar o crescimento dos rendimentos das famílias de menores rendimentos e ao reforço das políticas sociais expressas, por exemplo, no aumento do salário mínimo ou das prestações sociais direccionadas à população de menores rendimentos.

Mas estes novos indicadores evidenciam igualmente grupos sociais extremamente vulneráveis, que somente de forma mitigada têm beneficiado do crescimento económico e da melhoria das condições de vida do conjunto da população. A sua fragilidade económica exige que as políticas públicas tenham uma atenção acrescida para a sua situação e que sejam capazes de delinear e implementar medidas que sejam simultaneamente eficazes e eficientes na diminuição dos seus níveis de pobreza e que promovam a sua efectiva inclusão social.

Por último, a análise destes indicadores não nos pode fazer esquecer que Portugal continua a ser um dos países com maior pobreza e com maiores níveis de desigualdade na Europa. Que, no nosso país, permanecem em situação de pobreza mais de 1,7 milhões de cidadãos, e que uma parte significativa destes são crianças e jovens. Se alguma lição podemos tirar dos números agora conhecidos é o de que as políticas publicas e a sociedade no seu conjunto ainda têm um longo caminho a percorrer para construirmos uma sociedade mais coesa, socialmente mais justa, com menos pobreza e menos desigualdade.

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