Na sequência
das eleições do passado dia 6 de outubro, o novo Governo tomou posse. Uma das
características inovadoras da estrutura do Governo foi a localização de três
das Secretarias de Estado fora de Lisboa, respetivamente em Bragança,
Guarda e Castelo Branco (embora, no passado, iniciativas semelhantes já tenham
acontecido).
A razão que então
foi e continua sendo invocada para a deslocalização é a de que, com esta
iniciativa, o Governo, ao tornar-se mais próximo dos cidadãos, mostra a
importância que atribui à proximidade e à necessidade de dar resposta aos
graves problemas com que o Interior se debate, em comparação com outras regiões
do País.
As três
Secretarias de Estado deslocalizadas são: a da Valorização
do Interior, em Bragança; a da Acção Social, na Guarda e a da Conservação
da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, em Castelo Branco.
As
intenções são muito bondosas, mas não têm eficácia para a realização do
objetivo proclamado. Vejamos porquê.
Comecemos
por uma questão conceptual. Tanto responsáveis políticos, como comentadores de
vários matizes, têm-se referido a este movimento de deslocalização como uma
iniciativa de descentralização. Importa desmontar e denunciar esta ideia de
descentralização que nada tem a ver com o verdadeiro conceito de descentralização.
A descentralização é outra coisa e não existe se, simultaneamente, não se
verificar a transferência de competências do Estado Central para outras instâncias,
neste caso para as autarquias locais, passando estas a ser autónomas na gestão das
competências transferidas.
Apesar
da abundante literatura existente sobre o que é a descentralização, parece que
quem se tem referido à iniciativa como sendo de descentralização, a ignora
completamente o seu conceito e os seus fundamentos. Parece que não tem tempo
para parar cinco minutos e sobre isso refletir um pouco. Isto é tanto mais
grave, quando tem pouco mais de três meses a divulgação do importante
trabalho produzido pela Comissão Independente para a Descentralização,
que constitui um contributo inestimável para a compreensão desta e de outras
questões. E foi o governo anterior quem criou a Comissão e lhe encomendou o
trabalho que esta realizou. Contrair desta forma, e sem mais, o que lá está dito
e bem refletido não parece ser de bom conselho.
Haverá
quem procure desvalorizar a questão que aqui trago à reflexão com o argumento
de que se trata apenas de um pormenor teórico sem importância. Refuto completamente
esta ideia. O rigor, nesta e em outras matérias, nunca foi incompatível com a
fundamentação de uma boa reflexão e, na sua sequência, da tomada de acertadas decisões
políticas. Ignorá-lo só pode dar origem a asneiras que podem ser de difícil
e custosa reparação.
A
deslocalização das Secretarias de Estado pode ter virtualidades, não são é,
certamente, as que lhe têm vindo a ser atribuídas, nomeadamente as que têm a
ver com a resolução dos problemas das zonas em que se vão sediar, com o
argumento da proximidade.
Qualquer
Secretaria de Estado é uma instituição de âmbito nacional e, qualquer que seja o
local em que se encontra localizada quando decide fá-lo no interesse do todo
nacional e não no interesse particular deste ou daquele território. Uma Secretaria de
Estado, localizada em Bragança, Guarda ou Castelo Branco é um órgão do poder central,
ponto final.
Nem
sequer se pode dizer que é um órgão do poder central desconcentrado na região da
sua localização, porque para isso era preciso que tivéssemos bocadinhos de cada
Secretaria de Estado localizadas em cada um dos territórios, para, em cada um
deles, cuidar dos interesses do poder central.
Evidentemente
que não é tudo pura perda. A localização de uma Secretaria de Estado numa cidade
tem para essa cidade a potencialidade de aí ser indutora de animação económica,
criação de emprego, etc. O que não é politicamente correto é pretender retirar
da deslocalização virtualidades que ela não possui. Ficarão alguns muito
contentes com a iniciativa, mas o tempo encarregar-se-á de trazer o desânimo
resultante da não obtenção de resultados que tinham sido enunciados.
Assim,
esta deslocalização das Secretarias de Estado não vai resolver os problemas que
com ela se pretendiam superar. Pouco mudará, o que só servirá para descredibilizar o
genuíno processo de descentralização. Tapa-se o ferimento, mas nada é feito
para que o mal de que ele é manifestação seja curado. Daí a alusão, no título,
aos pensos rápidos.
Antes
de terminar, uma breve referência ao Congresso, que no passado fim de semana, teve
lugar em Vila Real, promovido pela Associação Nacional de Municípios, sujeito aos
temas da Descentralização e da Regionalização. Trata-se de temas muito oportunos, mas fica-se
na dúvida sobre se os comentadores e oradores entendem os dois temas como processos
separados (alternativos) ou, se como deveria ser entendido, consideram a regionalização
como uma componente do processo de descentralização.
Ainda
se conhece pouco do que lá se passou. No entanto os media transmitiram
alguns ecos. Independentemente de poder voltar a abordar o assunto, comento,
desde já, duas das questões aí referidas: as eleições para as CCDR e o ritmo da
regionalização.
Quanto
à primeira, não vi referido que as CCDR deixavam de ser órgãos delegados da
Administração Central. Se assim é, não há volta a dar-lhe: os seus órgãos executivos só podem ser
escolhidos pela Administração Central. Proceder de outro modo só pode conduzir por caminhos tortuosos.
Mas, mesmo que deixassem de ser órgãos delegados da Administração Central,
passando a ser instâncias, com autonomia, de administração regional, não se
percebe como é que podem obter legitimidade regional, quando são eleitos por quem
só tem legitimidade local.
Quanto
ao ritmo da regionalização tem-se referido que em matéria de apreciação tão delicada e com vista
a não criar fraturas adicionais entre os portugueses importa adotar uma estratégia
de “pequenos passos”. Não se sabe, exatamente, o que isso quer dizer mas, o
que se sabe é que os passos sejam grandes ou sejam pequenos devem ser
dados depois de reflexão rigorosa, que é algo que tem faltado na maioria
dos debates que, no passado, vimos acontecer sobre a questão da regionalização.
Não surpreende, por isso, que as iniciativas que em matéria de regionalização
têm sido tomadas tenham gerado tantas reações adversas. Até parece que quem as
toma pretende precisamente lançar confusão no debate sobre a regionalização
para que ela não venha a acontecer.
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