Esta sensação de tempo suspenso em que a pandemia, primeiro, e a guerra na Ucrânia, a seguir, nos têm colocado não pode continuar a deixar-nos amodorrar perante o agravamento de problemas profundos na economia mundial. Qualquer que seja o desfecho da guerra e a evolução das pandemias, há que parar para pensar.
Estará
a globalização em crise?
Poucas
vezes se tem ouvido tanto esta pergunta como actualmente. A propósito da reunião do Fórum Económico
Mundial, Stiglitz reconhece que foram postas em cima da mesa uma série de
interrogações sobre a evolução da globalização mas que não deixou de se perder
uma grande oportunidade de discutir a fundo os problemas de base[1]. Questões como a da quebra
das longas cadeias de abastecimento, a da subida acentuada dos preços da
energia e dos bens alimentares e a dos direitos de propriedade relativamente às
vacinas, que estão a deixar biliões por vacinar, não puderam deixar de ser
referidas em Davos como exemplo de falhas gravíssimas desta globalização.
Ficou,
pelo menos, clara a necessidade de maiores investimentos de proximidade e de
reindustrialização, se não em espaços nacionalmente protegidos, pelo menos de
modo a evitar as longas cadeias de abastecimento a que entretanto se chegou,
com os perigos daí decorrentes, como a travagem na produção automóvel devido à
escassez de micro-chips, por exemplo. Para já não falar de situações de
dependência internacional difíceis de compreender como a que colocou a Alemanha
face ao fornecimento de gás vindo da Federação Russa.
Mas
não houve coragem para ir ao fundo dos problemas… Seria de admirar se tal tivesse
sucedido…
Regras
de há muito seguidas nos fluxos de comércio mundial, como por exemplo a da não
discriminação, não houve coragem para as pôr em causa.
Mas como
Stiglitz avança, a globalização não é o único problema: “our entire market
economy has shown a lack of resilience”, continua. O que nos leva à questão
dos lucros e da sua análise.
Antes
de mais, é fundamentalmente com o intuito de manter as proverbialmente elevadas
taxas de lucro que a indústria farmacêutica tem reforçado o lobby que se opõe à
liberalização das patentes das vacinas. E é pela mesma razão que neste momento
escasseiam os alimentos para bebés no mercado americano e, a breve trecho,
internacional: o monopólio da Abbott a isso conduziu.
E a
questão dos lucros é fundamental para que melhor se perceba também o movimento
inflacionista em curso. A visão dominante da economia defende a travagem dos
salários nominais, como bem o sabemos, acusando-os de responsáveis pela
inflação. No entanto, vários economistas não ortodoxos têm vindo a analisar a
questão em profundidade e a constatar que o objectivo de manter as chorudas
margens de lucro intactas, tem levado as grandes empresas multinacionais a
repercutir os acréscimos de custos em aumentos dos preços ao consumidor…[2]
Assim
sendo, deixar a economia arrefecer, com aumento do desemprego e deterioração
crescente do poder de compra dos salários, de pouco valeria para combater a
inflação… Já que a “ética” subjacente à política de lucros das grandes
operadoras de energia, alimentos de primeira necessidade e outros bens essenciais,
está a ser não a do reinvestimento produtivo nem a da justa remuneração do
capital mas antes o fomento das concentrações e aquisições, a distribuição de
dividendos cada vez mais elevados aos accionistas e, portanto, o reforço da já
tão desigual repartição do rendimento a favor da concentração do grande capital.
[1] Stiglitz,
J. (7 de Junho de 2022, “Getting deglobalization right. Social Europe (https://socialeurope.eu/getting-deglobalisation-right).
[2] Ruccio,
D. (, 7 de Junho de 2022. “Inflation, Wages and Profits. Real-World Economics
Review Bloghttps://rwer.wordpress.com/2022/06/07/inflation-wages-and-profits/#more-42830
Pois é, a tendência imparável (se-lo-á?) para o monopolismo
ResponderEliminarSe não é, parece...
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