26 novembro 2010

É a Guerra dos Mercados ou a Guerra de Outra Maneira?

Nos mercados, em particular nos financeiros, travam-se hoje lutas com uma tal agressividade que permitem que nelas se revejam guerras que têm efeitos devastadores que em nada ficam a dever às guerras, mais clássicas ou mais modernas, que atravessaram e ainda atravessam o mundo em que vivemos. É o que procurarei mostrar a seguir.
Tem-se falado muito da agressividade dos mercados financeiros quando a eles se dirigem países com fragilidades económico-sociais, como as que têm vindo a ser reveladas por países como a Grécia, a Irlanda, Portugal e até a Espanha. Explicar essa agressividade apenas com a existência de fragilidades de quem procura o crédito, nomeadamente, as que decorrem do peso elevado das suas dívidas externas (pública e privada), é o mesmo que medir a dimensão do iceberg através da sua parte emersa.
Aquela agressividade tem-se caracterizado pela extorsão (crime, que em termos individuais está sujeito a sanção pelo Código Penal) feita sobre os recursos dos países que recorrem ao crédito e que se traduzem, em particular, por insuportáveis subidas de taxa de juro. Este comportamento não tem, no entanto, similitude com o que é adoptado face a outros países com necessidades de endividamento equivalentes. O que pode explicar a diversidade de comportamento?
Como é conhecido, o nível de actividade económica baixou, substancialmente, nos países mais desenvolvidos, na sequência dos acontecimentos do Outono de 2008. Isto significa que diminuíram as oportunidades de investimento na actividade produtiva, ou diminuíram, pelo menos, as oportunidades de retorno de taxas de remuneração do capital tão elevadas como as que eram obtidas anteriormente. Não é de excluir, também, que tenha chegado à maturidade a vaga tecnológica que até há pouco assegurou remunerações elevadas, mas que começam, por essa razão, a diminuir.
Assim sendo, a liquidez existente vai-se afastando da actividade produtiva e concentra-se em aplicações financeiras, à procura de remunerações mais elevadas. Importa referir de onde vem essa liquidez. É colocada no mercado por particulares (especuladores ou não), mas também, e talvez sobretudo, pelos Estados. Para realizarem essas colocações, Estados e particulares servem-se de intermediários financeiros (bancos, mas não só) que procuram satisfazer os apetites dos seus representados. Por isso, concentram baterias junto dos Estados que necessitando de crédito, para negociarem das taxas de juro razoáveis, se encontram em situação de maior debilidade, a curto, médio e longo prazo.
Tem-se vindo a verificar que, por ocasião da colocação das emissões de dívida, apesar de a oferta ser superior à procura, mesmo assim o preço do dinheiro sobe. Isso só pode ser explicado pela cartelização dos intermediários financeiros. E porque nesta guerra estão, também, envolvidos Estados, bem se pode falar de extorsão de uns países sobre os recursos dos outros, tal como aconteceu e acontece em todas as guerras.
A guerra financeira
surge, assim, como uma outra face das designadas guerras limpas (químicas, bacteriológicas, biológicas ou outras). Ela tem os mesmos efeitos da ocupação (influência) territorial das guerras clássicas.
Depois dos anunciados pedidos de apoio feitos pela Irlanda ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia, tem-se especulado sobre se a pressão sobre Portugal, para a subida das taxas de juro, vai diminuir ou aumentar. O argumento de que a situação portuguesa é diferente da da Irlanda tem servido para justificar que a pressão diminuirá.
Do meu ponto de vista ela só diminuirá, se a liquidez existente nos mercados financeiros for capaz de encontrar aplicações alternativas que considere mais compensadoras, o que não me parece que seja o caso, ou se, devido à intervenção de instâncias internacionais, o país passar a dispor da liquidez de que necessita, sem se socorrer dos mercados financeiros. Por isso, se quisermos mais dinheiro, ou pagamos o que os mercados nos exigem (não estamos em condições de os contrariar) ou vamos ao Fundo, ou aos Fundos.
Quererá isto dizer que, numa perspectiva de curto prazo, perdemos toda a nossa capacidade de decisão e intervenção? Creio que não. É oportuno recordar que, também o David venceu Golias, socorrendo-se de uma simples fisga. Está, certamente chegada a altura de irmos buscar as fisgas ao armário e de começar a fazer alguns exercícios de pontaria.
Tendo efeitos equivalentes aos das outras guerras justifica-se plenamente que contra esta guerra (que nos é imposta) nos mobilizemos como faríamos contra outras de cariz militar. Como?
Procurando construir mecanismos de independência nacional suportados por opções de modelos de desenvolvimento alternativos, que nos libertem, pouco a pouco, da necessidade crescente de pedir dinheiro emprestado, ainda que para isso seja necessário regressar ao “maquis” (território da resistência).
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10 comentários:

  1. Há algo que não compreendo na sua argumentação: se os mercados tivessem outras aplicações mais rentáveis para os seus capitais então conseguiríamos taxas mais baixas?

    O que me parece que funcionará é precisamente a sua proposta final: nós reduzirmos a nossa necessidade de financiamento exterior. O que aliás deveríamos ter feito antes de começarmos a ter empréstimos a taxas proibitivas.

    Finalmente creio que subestima gravemente as nossas questões internas na crise que vivemos: mesmo nesta situação os maiores partidos aprovam a continuação de obras inúteis e de PPPs, essas sim usurárias.

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  2. Tem toda a razão. O argumento vai em sentido contrário ao que é habitual e deveria, por isso, ter merecido uma explicação um pouco mais alongada.
    Deixe-me que lhe traga aqui a recordação de imagens de um filme, creio que da Geographic Magazine, que vi quando mais jovem,em que dois leões machos (intermediários financeiros) tinham apanhado e morto uma presa (país endividado) e se preparavam para a devorar. Eis senão quando surgem as fêmeas e os filhotes a quererem participar no banquete (a alargar a oferta). A carne da presa era suficiente para todos, mas os machos afastaram-nos e banquetearam-se com as partes mais suculentas (taxas de juro elevadas). Quando se sentiram satisfeitos deitaram-se a dormir e as fêmeas e filhotes puderam vir comer a carne sobrante, mas já não apetecida pelos machos (taxas de juro mais baixas). Se os machos não tivessem sido capazes de afastar os outros animais, todos comeriam, mas não haveria privilegiados (as taxas de juro seriam mais moderadas).
    Serve esta história para mostrar que os mercados financeiros não funcionam, como seria de esperar que funcionassem, de acordo com os modelos estandardizados; sem regulação funcionam antes segundo uma espécie de lei da selva.
    Quanto à questão da subestimação, creio que não é isso o que acontece. As questões que refere pura e simplesmente não são por mim abordadas, por ter considerado que não eram compatíveis com a dimensão e economia do texto e, por isso, não chegam a ser subestimadas.

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  3. Deixe-me ver se percebi, aplicando ao caso português: há investidores interessados na dívida portuguesa, dispostos a aceitar juros mais baixos (isto é, dispostos a pagar mais nos leilões) mas que não o fazem porque são ameaçados por investidores mais agressivos?

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  4. Creio que percebeu.
    Habituámo-nos, sem nisso pensarmos o suficiente, a olhar para os nossos mercados (incluindo o financeiro) como se eles funcionassem segundo as regras da concorrência perfeita. Por isso, não é de estranhar que se considere que quando aumenta a oferta, os preços deveriam descer.
    Porém, não é isso que estamos a ver acontecer, agora, nos mercados financeiros: a oferta aumenta e as taxas de juro, em vez de diminuírem, aumentam, pelo menos para os países que designei por mais frágeis (vão chamar porcos a outros! - alusão aos PIG).
    A explicação para que isto aconteça, não é muito difícil. De facto o nosso mundo não é o da concorrência perfeita onde, dois dos pressupostos são os de que existe uma infinidade de agentes e todos com a mesma dimensão. A realidade que nos rodeia não se conforma com estes pressupostos.
    A Teoria Económica demonstra que, quando nos mercados se não verifica, ainda que seja só um dos pressupostos da concorrência perfeita então, trás mais prejuízos do que vantagens, aplicar as suas regras, com a ideia de que é melhor ter as regras da concorrência perfeita do que não ter nenhumas. Se os mercados são outros é preciso procurar outras regras.
    Como nos mercados financeiros não existe uma infinidade de agentes, nem são todos de igual dimensão, etc., etc.

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  5. Caro Manuel
    Antes de mais parabéns pelas tuas intervenções neste espaço que se enriquece de ideias a cada dia que passa.

    A propósito desta última entrada, queira perguntar-te o que queres dizer com:

    "(...) regressar ao “maquis” (território da resistência)."?

    Como hoje celebramos a restauração da indepedência... Passou-me pela cabeça a sugestão de "sair da zona euro". Será?

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  6. Olá Maria do Céu.
    Nunca fez mal a ninguém trazer o Céu por perto!
    Pois, regressar ao “maquis” quis, para mim, dizer, simplesmente, que é preciso pensar em nova vida, como no “maquis”, restaurando o que valer a pena ser restaurado e fazendo de novo, mesmo com (ou sobretudo com) meios limitados, o que tiver de ser feito de novo.
    Quanto ao euro a culpa não é tanto dele, mas mais das regras que inventaram para o funcionamento do clube (zona). Se não for possível alterá-las (e duvido que a Alemanha deixe) então, é melhor começar a pensar em ensaiar o “adeus”.

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  7. Sem metáforas é mais dificel compreender mas a verdade é que o modelo de economia a que chamam moderno e de mercado é mesmo selvagem e sem humanidade porque nunca se resolveu na base humanitária e não é sustentável matar a fome com exigências de aumentar o preço daquilo que empresto nem debaixo de chantagem de ou aceitas as medidas dos meus interesses ou deixo-te morrer o mais certo é deixar morrer.
    Por isso concordo com a tua maneira clara de demonstrar a situação.

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  8. Regressar ao «maquis»,implicaria um espírito de unidade e sacrifícios para todos na difícil resistência e luta contra o inimigo que nêste caso são os Banqueiros e os especuladores dos Mercados Financeiros e também os Fidalgos(filhos d'algo)tanto civis como militares,que usufruem escandalosamente vencimentos e pensões
    elevadíssimas,o que esgota o Erário Público.

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  9. urgente mudar, para além do modelo económico, o modelo político que o sustenta! Esta "Democracia" serve apenas para legitimar a "Ditadura" financeira!

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