Sobre as
virtualidades e as insuficiências dos mercados já aqui tenho escrito em outras
ocasiões, mas a insistência em que se continua a pisar este terreno pantanoso
justifica que volte ao assunto.
A ida aos
mercados é uma decisão inevitável a quem quer comprar e vender bens e serviços,
até de ordem política. Os mercados organizam-se de modo a que aí possam ser
transacionados vários tipos de bens e serviços. Em tempo de eleições, os
mercados servem, inclusivamente, para transmitir mensagens de índole política.
Acabamos de viver uma época eleitoral e não foram poucos os políticos que
“regressaram aos mercados” à procura de apoio.
A eficiência
dos mercados para transacionar bens e serviços é reconhecida desde os tempos em
que nem sequer existia o dinheiro e, por isso, as transações se faziam de
mercadoria ou serviço, contra mercadoria ou serviço.
Quem não vai
aos mercados é porque não tem nada para comprar, ou para vender, e se coloca, por
isso, em situação de marginalização numa sociedade organizada que procura, pela
concorrência nos mercados, aumentar o
nível de eficiência coletivo do seu funcionamento.
Se tudo isto
fosse exatamente assim mais não nos restaria do que dizer: “vamos todos a correr
para todos os mercados”.
Desde que a troika cá entrou não temos ouvido falar
de outra coisa que não seja a necessidade de “regresso aos mercados”. O
regresso aos mercados assume o lugar do bezerro de ouro que justifica que tudo
lhe seja sacrificado. As portuguesas e os portugueses sabem-no bem. Dizem-lhes
que para que o bezerro não se transforme em bicho feroz, que tudo devorará, sem
olhar a quem e ao como, se devem submeter às mais torpes manobras de extorsão.
Quando nos
referimos à ida aos mercados importa saber qual é o programa da viagem, ou seja,
quais são e ao que vamos. Disse, acima, que um mercado é o local onde se
transacionam bens e serviços. De que bens e serviços se trata?
São os bens e
serviços para consumo final e são os bens e serviços para consumo intermédio,
isto é, bens e serviços que depois de transacionados vão ser transformados
pelas empresas ou outras instituições. Há, assim, uma infinidade de mercados. Nas
últimas décadas temos, no entanto, vindo a ouvir falar, cada vez com maior
insistência, de um mercado de que, antes, não se falava, ou falava pouco: o
mercado financeiro.
O mercado
financeiro é o mercado em que se transaciona dinheiro (moeda). Foram criadas condições
para que a moeda fosse tornada equivalente a uma mercadoria. Ora, antes, a
moeda não era uma mercadoria; era apenas um intermediário das transações, uma
unidade de conta (referência para poder contar) ou uma reserva de valor
(aforro). Quer dizer, com o dinheiro passou-se a poder ganhar dinheiro!
Ora, os
mercados só podem (embora haja outras condições a verificar) trazer eficiência
ao funcionamento da economia, se agirem de forma interdependente. Não tem
sentido prosseguir os objetivos do funcionamento eficiente do mercado financeiro
se não existir igual preocupação com o funcionamento dos outros mercados, o da mão-de-obra,
por ex. A haver equilíbrio num mercado ele só é um valor acrescentado para a
economia se, simultaneamente, se verificar equilíbrio nos outros mercados
(equilíbrio geral). Caso não funcionem, não
tem sentido estar a falar de equilíbrio.
De que é que temos ouvido falar quando, a
propósito da dívida pública, o Governo, a troika, o Sr. Presidente da Comissão
Europeia, a Sr.ª Merkel e tantos outros, apelam ao regresso aos mercados? Não é
do regresso aos mercados que eles falam, mas do regresso ao mercado financeiro
(de capitais).
Mas haverá
mesmo regresso aos mercados financeiros? Não há; quando muito, caso a operação
pudesse ser bem-sucedida, haveria regresso ao mercado financeiro (no singular).
A distinção é justificada porque, de fato, em relação aos capitais financeiros
e em razão da sua globalização não existem vários, mas um único mercado. O uso da
forma plural apenas serve para mascarar a verdadeira raiz da questão.
Só que
existindo uma preocupação com o funcionamento de, apenas, um dos mercados, o de
capitais, então isso tem como consequência que todos os outros mercados lhe vão
ficar subordinados, isto é, só funcionam e funcionam na medida em que isso
servir os interesses dos mercados de capitais. Por isso, o regresso de que
tanto se fala só acontecerá quando todos os outros mercados, estando-lhes
subordinados, deixarem de cumprir o seu papel de espaço igualizador dos valores
das transações.
Regressar aos
mercados, neste quadro, só será possível quando estiverem destruídas todos os
elementos que estruturam e identificam o ser português. O mercado financeiro só
se encontrará saciado quando os custos do saque de recursos forem superiores aos
benefícios deles retirados.
Assim, só é
possível uma postura: a denúncia do saque e um rotundo virar de costas aos
mercados, isto é, ao mercado financeiro. Os seus agentes, os de dentro e os de
fora, não mostram qualquer saciedade ou falta de imaginação para criarem novas
formas de continuação da extorsão. Fazer-lhes frente é o único caminho que lhes
poderá provocar a diminuição da sua saciedade.
O regresso aos mercados surge como indispensável, desde que o objetivo signifique regresso a todos os mercados, o dos recursos, o dos bens e serviços finais e o financeiro. Não pode, por isso, haver regresso ao mercado financeiro se, simultaneamente não se verificar, entre outros, o regresso ao mercado da mão-de-obra.
Um texto clarificador de conceitos que tanto confundem a opinião pública. Uma reflexão que merece ser amplamente divulgada para contrariar a ideia mítica e enganadora da centralidade do objectivo de regresso aos mercados, significando regresso ao mercado financeiro, agora apresentada pelo Governo como desígnio de toda a sociedade...
ResponderEliminarAfinal do que precisamos é romper com estas armadilhas ideológicas que no afastam da prossecução do objectivo de criar uma economia ao serviço das pessoas e em que estas sejam sujeitos do seu desenvolvimento e bem-estar colectivo.
Parabéns ao Autor!
Agradeço as palmadinhas.
EliminarQuando era pequeno, também eu, acompanhado dos meus pais, ia aos mercados. Aí encontrávamos sempre o vendedor de banha da cobra e não eram poucos os que a compravam, acreditando nos mil e um benefícios que ela trazia.
Aprendi que para nada servia a não ser par engordurar e estragar a roupa. A ida ao mercado, no entanto, salvava-se pelos outras transações sérias que aí era possível realizar.
Infelizmente, no caso do "regresso aos mercados" os mercados são fraquinhos. Não é possível transacionar mais nada que não seja a banha da cobra das transações financeiras que não apenas estragam a roupa, mas começam, também, a corroer o corpo.
Muito bem, Manuel Brandão Alves. Fazia muita falta um texto desta envergadura e, sobretudo, de tanta clareza.
ResponderEliminarAbraço,
Margarida