O
mundo global, da internet, das viagens, da instantaneidade e das novas
tecnologias, envolveu-nos num mundo que antes pensávamos conhecer e dominar,
mas que nos começou a mostrar que ainda tínhamos muito para descobrir. A
própria globalização tornou-se um agente ativo de transformação, levando a que
características de territórios, de povos e de pessoas, que até aí
considerávamos como estáveis, começassem a mudar.
Os atentados de Londres
Tudo
isto introduziu no nosso modo de viver fatores de insegurança que, antes, só
eram possíveis, em larga escala, por ocasião de guerras e invasões de
guerreiros vindos de outras terras e outros mundos. Hoje, sentimo-nos inseguros
na nossa vida do dia a dia, o que não pode deixar de ter consequências sobre a
teia de relações que constituem suporte do nosso ser e do nosso estar.
Sussurramos
nos nossos encontros que “isto não está a correr bem e qualquer dia . . . “. E
porquê? Porque muito dos comportamentos, de responsáveis políticos mundiais
deixaram de estar dentro do horizonte de previsibilidade que até aqui
possuíamos. Refiro-me, em particular, às trumpalhadas do Sr. que ocupa a Casa
Branca e aos atentados terroristas reivindicados pelo Estado Islâmico.
Apesar
de eu considerar que as trumpalhadas contêm gérmenes geradores de insegurança,
a médio e longo prazo, tão mortíferos como os atentados terroristas (embora não
pareçam), é destes que quero começar por falar, sem esquecer que isto anda tudo
ligado. A reflexão que aqui quero trazer, vem na sequência dos atentados
verificados em Londres no fim de semana passada.
Nos
dias seguintes, foi possível ver reproduzidos, nos media, testemunhos de pessoas que concluíam com o desabafo: "Estes cobardes não vão mudar
a nossa forma de vida". Já por ocasião de outros atentados voluntarismos
com idêntico conteúdo tinham aparecido. Fiquei a pensar!
É verdade que um dos objetivos dos terroristas
é destruir a nossa tranquilidade e o nosso modo de vida. A primeira reação, a
mais imediata é dizer-lhes que não alcançarão aquilo que pretendem, que
continuaremos a portar-nos como dantes, mostrando-lhes, assim, que não nos
intimidaremos. Mas será que esta postura tem racionalidade e eficácia? Estou
convencido de que não.
O Estado Islâmico
Creio que é bom que compreendamos algumas
características do Estado Islâmico, que reivindica a responsabilidade da maioria
dos atentados. É-nos transmitida, com frequência, a imagem de que o Estado
Islâmico é suportado por jovens fundamentalistas, disponíveis para morrer, com
vista a que os estragos produzidos pelas suas mortes destruam o reino e o modo
de vida dos infiéis, que somos nós. Só que o Estado Islâmico, promovendo isso, é
muito mais que isso.
Importa não esquecer que o mundo muçulmano
possui duas principais correntes religiosas, a dos sunitas e a dos xiitas, que
se tratam mutuamente, como traidores e infiéis, sendo que os sunitas
representam à volta de 90% do total dos muçulmanos. Recordemos ainda que xiitas
eram são tradicionalmente considerados como mais fundamentalistas
(interpretação literal do Corão). No entanto, também, no âmbito dos sunitas se
desenvolveram correntes fundamentalistas, de que é expressão mais significativa
a corrente whabbista, nascida e desenvolvida na Arábia Saudita e que, a partir
de determinada altura, estabeleceu alianças de governo com a Casa de Saud.
Foi, no seio da corrente whabbista que nasceu
o Al-Qaeda e, posteriormente, os outros movimentos terroristas, que deram
origem ao Estado Islâmico. Frequentemente se invoca que o Al-Qaeda cresceu com
o apoio dos EUA, o que é justificado pelo fato de ter sido por essa via que
quiseram eliminar os movimentos demasiado esquerdistas que começavam a aparecer
nos países árabes, que poderiam pôr em causa o seu controle sobre o petróleo no
Médio Oriente. Só que, aqui, como em muitas outras circunstâncias, os EUA
tornaram-se aprendizes de feiticeiros e os que foram criados como aliados,
transformaram-se nos seus principais inimigos, não só dos EUA, mas, também, de
todo o mundo ocidental.
Assim se compreende porque é que, com
frequência, se imputa à Arábia Saudita a responsabilidade do financiamento dos
movimentos terroristas, embora a atual crise com a Catar (corte de relações
diplomáticas) possa revelar outros contornos. O Catar poderá não estar inocente
na questão do financiamento dos terroristas, mas o seu crime principal foi,
agora, o de começar a gizar alianças com Irão, postura que os EUA não podem
tolerar.
A política dos EUA no Médio Oriente (e das
outras potências ocidentais que são dela cúmplices) tem como fundamento o
controle das principais reservas mundiais de petróleo. Pouco lhes importa que
sejam, precisamente, o Irão e o Iraque, países de maioria xiita, os países com
estruturas governamentais e de comportamento mais ocidentalizadas. O seu pecado
é o de aspirarem a controlar o seu próprio petróleo. É a esta luz que tem de se
compreender o que se passou no Iraque e na Líbia e, agora, também, com o Irão,
apesar de todos os passos sensatos anteriormente dados pelo Presidente Obama.
Os mártires e as 72 virgens
Mas voltemos à questão da não mudança do
nosso modo de vida. Os “rapazinhos“ que se têm deixado imolar através dos
atentados são, apenas carne para canhão de interesses promovidos pelo
fundamentalismo sunita, que tem poder e interesses que vão muito para além dos
explicitados pelos “rapazinhos”. O papel destes é o de criarem instabilidade
nos países ocidentais e, por essa via, permitirem que os fundamentalistas
aspirem a controlar os seus recursos.
O comportamento dos terroristas, apesar
dos grandes meios mobilizados para os combater, é em grande medida imbatível. A
estes terroristas meteu-se-lhes ou meteram-lhes na cabeça que a vitória do
Corão só pode ser obtida com a destruição do mundo ocidental, de que os atentados
terroristas são uma via privilegiada. Todos os que neles morreram serão
recebidos no Céu como mártires e, além disso, para seu belo prazer, terão à sua espera 72
virgens.
Ora, toda a civilização ocidental foi
estruturada e desenvolvida a partir do princípio base de que todo o ser humano
tem como objetivo último a preservação da sua vida. O seu comportamento em
todos os atos tem isso como objetivo, o que constitui condicionante do seu
comportamento. As sociedades ocidentais, tal como as conhecemos, ficam
totalmente vulneráveis quando surgem no seu seio indivíduos para quem aquela
condicionante não existe. Eles não querem, apenas, fazer atentados; eles querem
fazer atentados e, através deles, morrerem, para serem mártires.
Nestas circunstâncias, pensar que “não
mudaremos o nosso modo de vida” é um ato de coragem é, antes, um propósito
de irresponsabilidade, porque não valoriza adequadamente o comportamento dos
que realizam os atentados, que podem vir de todo o lado e para os realizar usar
instrumentos, que podem ir dos mais simples aos mais sofisticados.
O petróleo
E tudo porquê?
É o petróleo Senhores! É o petróleo.
E, nesta teia de interesses, onde anda o respeito
pela dignidade da pessoa humana?
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