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28 novembro 2013

Mais cortes cegos no Ensino Superior

Foi necessária uma tomada de posição frontal por parte do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas para que o Ministro da Educação e Ciência e o Primeiro Ministro se dignassem sentar-se à mesa com os representantes das universidades.
Em causa, uma vez mais, os cortes cegos no Ensino Superior. Desencadeado o processo a meio de um exercício orçamental, mais exactamente em Agosto último quando poucos/as o podiam contestar, conhece agora uma fortíssima reincidência sob a forma do corte adicional de 30 milhões em transferências, constante do Orçamento acabado de aprovar.
Embora formalmente dotadas de autonomia pedagógica e científica, as instituições da rede pública do Ensino Superior dependem, de facto, do Orçamento de Estado para o seu funcionamento. Certo é que, em muitas delas, as receitas próprias têm vindo a crescer sistematicamente, chegando por vezes para cobrir as despesas com pessoal. No entanto, não só esta tendência não é generalizável, como também o montante das receitas próprias não se mostra suficiente, mesmo nos melhores casos.
Por outro lado, e este é o aspecto que aqui se pretende salientar, aquele aumento das receitas próprias tem vindo a significar, em grande parte, um aumento dos sacrifícios que os/as alunos/as e famílias têm vindo a ser chamados/as a fazer, em situação de tão grande aperto financeiro. Com efeito, a formatação do ensino superior induzida pelo processo de Bolonha, por ter levado à desvalorização social das licenciaturas agora compactadas, fez subir o nível de exigência dos/as recrutadores/as e empresas, tornando o mestrado e, frequentemente, também a pós graduação, o limiar mínimo de qualificação exigida. Entre 2000 e 2009, o aumento percentual do financiamento privado (famílias e indivíduos) do ensino superior foi superior a 20 p.p., enquanto o correspondente peso do financiamento público no total da despesa pública diminuíu consideravelmente no mesmo período (OECD, 2013, Education at a Glance).  

De salientar, ainda, que com os efeitos da crise sobre os rendimentos familiares e individuais seria de esperar que a política social relativamente ao ensino superior se tivesse visto reforçada, designadamente no que respeita à atribuição de bolsas. O certo é que sucedeu precisamente o contrário: a percentagem de estudantes portugueses/as do ensino superior público com acesso a bolsas ou subsídios do Estado diminuíu de cerca de 22% em 2009 para menos de 19% em 2011 (PORDATA). 
Assistimos, assim, também neste domínio, à progressiva desresponsabilização do Estado para com a provisão e regulação do bem semi público que é a Educação, ao contrário do que lhe é cometido pela Constituição.
Por outro lado, a não renovação do corpo docente universitário e as condições de trabalho e remuneração cada vez mais degradadas tornam impossível a inovação pedagógica. Os cortes sucessivos têm vindo a conduzir, também, ao retorno ao sobre dimensionamento das turmas e à escassez de recursos pedagógicos fundamentais. Tratando-se, embora, de uma tendência comum a vários países da U.E., as consequências para sociedades, como a nossa, em que as taxas de conclusão líquidas do ensino superior pouco estão a ultrapassar os 40%, só poderão vir a agravar-se. De resto, o abandono e a desistência a meio da frequência do ensino superior têm vindo a aumentar de tal maneira que instituições internacionais de referência – como a EERA, European Education Research Association – decidiram dedicar a este tema uma das próximas conferências internacionais (ECER, Porto 2014).
Paradoxalmente, ou talvez não, os frutos do neoliberalismo voltam-se contra o próprio: a tentativa de normalização por parte das agências de acreditação internacionais, processo viral a que as universidades portuguesas, privadas e públicas, não têm escapado, impõe limites ultra rígidos aos indicadores de retenção e insucesso, limites esses que algumas daquelas instituições se vêem em dificuldades para cumprir…
E o pior é que tudo isto não é mais do que puro economicismo, em nome da austeridade. Com efeito,  não se vislumbram quaisquer indícios, no País, de uma estratégia de formação avançada. Pelo contrário, tanto em educação como em investigação e desenvolvimento, os indicadores recentes só nos mostram a perda de posições anteriormente adquiridas, assim se contribuindo para estreitar irreversivelmente a base de partida para futuras políticas de desenvolvimento de recursos humanos.

07 novembro 2013

Os Exames dos/as Professores/as

A promessa concretizou-se. Do desnorte que caracteriza hoje em dia o Ministério da Educação e Ciência (MEC), recebemos ontem a confirmação do que os exames dos/as docentes dos ensinos básico e secundário são mesmo para avançar. 

Sindicatos e outras vozes da representação social vieram desde logo a insistir na sua indignação e apelo à justiça. E, com efeito, abundam os motivos de perplexidade: o facto de se vir agora introduzir um requisito adicional para o exercício da profissão não previsto à partida; a abrangência pela medida de docentes que, de facto, já exercem há largos anos, assim se desvalorizando a experiência profissional por aqueles/as adquirida e as sucessivas avaliações a que já são  submetidos/as; a admissão da possibilidade de dispensas desta exigência em condições perfeitamente indefinidas e sem qualquer esclarecimento sobre os critérios a que possam obedecer...

Para além daqueles aspectos, também é objecto de ampla crítica o processo de mercantilização que subjaz à aplicação dos exames: serão os/as próprios/as docentes a financiar a realização dos exames a que se submetem, quer nas disciplinas gerais quer nas específicas! Se, por um lado, se trata de um "negócio" a que alguns já fizeram as contas relativamente ao rendimento que daí advirá para os cofres públicos, por outro revela bem a total ausência de concepção e política de desenvolvimento de recursos humanos por parte do MEC. Tempos houve em que os/as docentes dos ensinos básico e secundário tinham acesso gratuito a acções de formação e de actualização, dispensa parcial de propinas na frequência de programas de escolaridade complementares, entre outros. Agora, exige-se dos/as professores/as contratados/as que continuem a "investir no seu capital humano", mesmo que -  por ineficiência e economicismo do sistema - o desfecho continue a ser o desemprego, por um lado, a falta de enquadramento de alunos/as com necessidades especiais e a elevada dimensão das turmas, por outro. Falta de enquadramento que os/as professores/as se têm vindo a habituar a colmatar do seu próprio bolso, sempre que podem, agora que a fome voltou a aparecer na escola pública.

Há, no entanto, um outro aspecto sobre o qual parece ser também de reflectir. Trata-se da total desautorização das instituições de ensino responsáveis pela formação de professores/as que esta medida vem, de facto, promover.  No caso de estabelecimentos de ensino público, o sistema acaba por virar-se contra si próprio, tal o afã em aniquilar a escola pública. E, mesmo no caso das instituições de ensino privado, o Estado, via MEC, põe assim em causa a sua função de regulação, constitucionalmente estabelecida. 

Se tal resulta de falta de confiança na qualidade da formação que aquelas instituições ministram, o comportamento ético deveria consistir num diagnóstico correcto e numa intervenção adequada a montante: os processos de acreditação e certificação de qualidade das instituições que formam professores/as para tal deveriam servir... Em vez de tentar, pretensamente, remediar-se o problema intervindo no segmento final do processo, um dos elos mais fracos, ao mesmo tempo.