09 maio 2018

“Eu sou a favor da descentralização, mas sou contra a regionalização”. Que enormidade!


Sim, uma enormidade. Os que o orgulhosamente isto proclamam, e são muitos, demonstram que compreenderam pouco sobre os fundamentos, tanto da descentralização, como da regionalização. Nos fóruns políticos e mediáticos tudo tem sido feito para que essa compreensão não aumente.
Diz-se que a descentralização consiste na transferência de competências do Estado Central para as autarquias locais. Não poucas vezes, em lugar do termo “transferências” utiliza-se o de “delegação”, ou usam-se de forma indiferenciada, como se de uma e a mesma coisa se tratasse.
Este entendimento atribui à descentralização conteúdos que estão longe de a poder esgotar. A consequência é a de que, por ex., no debate que está em curso, em que todos ganharíamos que fosse rigoroso e transparente, tudo se torna confuso, conduzindo a conclusões com pouca racionalidade e que não podem sustentar uma reforma durável.
Vejamos, então, quais são os fundamentos da descentralização. No funcionamento de uma sociedade democrática bem organizada, as decisões serão tanto mais eficientes (com menores custos para obter os mesmos resultados) e darão tanto mais satisfação aos seus destinatários, quanto mais forem tomadas por órgãos, ou instituições, que lhes são “próximas”. Esta noção de proximidade exige clarificação. É, também, aqui que o princípio da subsidiariedade, que muitos invocam, encontra o seu sustento.
Quando se fala de proximidade entende-se, com frequência, que a tomada de decisões é tanto mais próxima, quanto menor for a distância física que separa os destinatários de quem toma as decisões. É uma noção intuitiva, mas isso não basta para que seja suficiente. Pouco importa que a distância física seja minimizada, se a escala do território a que se refere não tem a dimensão para que a, ou as, decisões sejam eficientes. As razões da falta de eficiência podem ser múltiplas, mas as da falta de escala, quando existe, constitui um seu bloqueamento estrutural.
Vejamos, por ex., a decisão sobre a construção de uma via rápida unindo o território de três municípios. Pode defender-se que adquirido o entendimento de que a via deve ser feita, cada município assegurará a sua construção no território pelo qual é responsável. Não é difícil compreender que, em tal situação, se podem verificar incompatibilidades na execução e na sua gestão que podem não ser facilmente superáveis.
Pode, então, dizer-se que, se assim é, então a decisão sobre a construção da via deveria ser tomada pelo Estado nacional. Mas fica a pergunta: é desse modo que fica salvaguardada a eficiência que poderia ser obtida se o princípio da proximidade fosse considerado? Torna-se, também, evidente que a proximidade de eficiência, económica e social não se pode confundir com a proximidade física.
Isto é, estamos condenados a considerar que para a tomada de decisões só existem duas escalas: a municipal e a nacional? Claro que não, porque o argumento da proximidade também aqui deve ser tido em conta e conduz-nos a uma conclusão diversa. Como? Criando uma instância intermédia de decisão entre a escala municipal e a escala nacional. Mas claro que tal só tem sentido se a instância assim criada for dotada de autonomia em relação ao poder central, como a têm as autarquias locais.
A designação que uma tal instância intermédia pode vir a ter não é muito relevante; regiões, entidades intermunicipais, área metropolitanas, pouco importa, o que importa é que seja dotada de autonomia. É por essa razão que não colhe o argumento de que já se está a procurar formatar as competências e processos de tomada de decisões, por ex., das Comissões de Coordenação Regional (CCDR).
Estando justificada da criação da instância intermédia não lhe podem ser associadas as perversões, superáveis, que possam estar contidas nos mecanismos da sua implementação ou do seu funcionamento. As CCDR qualquer que seja a roupagem com que sejam apresentadas são sempre órgãos (delegados) da Administração Central. A sua qualidade de órgãos delegados não diminui em nada a sua importância. Não são é órgãos descentralizados.
Enquanto órgãos desconcentrados da Administração Central as CCDR deveriam, como o seu nome indica, ser capazes de, para o espaço a que se referem, coordenar o trabalho das delegações dos vários ministérios nesse território. Têm sido dados alguns passos muito pequenos nesse sentido, mas não com o vigor que seria desejável.
Embora disso menos se fale, estas dificuldades não são artificialmente criadas pelos principais responsáveis políticos, mas pelos pequenos mandaretes regionais que preferem depender de órgãos centrais da administração central que de órgãos regionais dessa administração. Esquecem que a coordenação feita pelas CCDR não impede que possam continuar a ser, também, órgãos delegados da administração central.
Definitivamente, deve, também, ser arredado o argumento da falta de dimensão do país para devam existir órgãos supramunicipais para tomada de decisões: vejam-se e estudem-se os casos da Bélgica, da Dinamarca, do Reino Unido, da Noruega, da Finlândia, etc. e constatar-se-á que assim não é.
O que acontece é que a criação de órgãos de decisão autónomos a nível regional pode vir a alterar os equilíbrios de representação partidária hoje existentes a nível nacional e sua projeção regional. A consequência é a de que o país paga, em termos de eficiência e de bem-estar, não o que são os seus interesses, mas antes os dos aparelhos partidários. Creio que isto explica muita da inação que tem existido nesta matéria.
Nada do que acabo de referir menoriza o papel dos partidos como sustentáculos inultrapassáveis da democracia. Queremos é uma democracia fundada em bases sólidas e não em alguns pés de barro.

3 comentários:

  1. MBA,
    - "O rei vai nu"
    - "o reino da Dinamarca está podre. Algo se passa no reino da Dinarca".

    O que dizes faz sentido mas, para haver decisões tomadas criteriosamente e a bem da nação, não é suficiente mudar o nome às "coisas" ou criar mais "coisas". O que falta neste país é limitar a burocracia, reformular as relacões institucionais, impedir que o poder dos pequenos poderes interfira nas decisões. Seria bom que no poder central ou no poder regional, viessem a terreiro pessoas com capacidade para pensar a longo prazo, decidir sem olhar a interesses particulares. Em suma, é preciso mudar a mentalidade daqueles que fazem da política profissão. É preciso aprender com o pragmatismo anglo-saxónico, agir de forma objectiva e não de forma tendenciosa ou atendendo a favoritismos, caciques, interesses partidários ou, pior ainda, a inetresses mais obscuros, como parece ter sido a realidade em muitos casos, (passados e recentes). Posto isto, estou convencido que anda por aí gente bem intencionada, mas quando chega a hora da verdade, são afastados para não poderem chegar aos lugares onde os incompetentes não querem ser confrontados com as suas incapacidades. JM

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    1. Pois é, mas esses somos todos nós. Portanto, modifiquemo-nos no que estiver à nossa mão. E as nossas mãos estão agarradas em braços mais compridos do que muitas vezes queremos ver.

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  2. Sem dúvida. A mudança para um futuro diferente do actual, mesmo com muitos braços atados, tem várias vertentes. Uma delas passa pela mudança individual e interior escolhendo viver segundo elevados valores universais. Outra pode passar pela influência das novas gerações que já pensam e vivem de modo diferente. Não é por acaso que os jovens representam um número considerável no afastamento (consciente ou não) dos políticos, dos partidos e do sistema político.

    Naquilo que a mimm me toca, optei por ser muito selectivo nos meus relacionamentos pessoais, deixei de ver e ouvir orgãos de comunicação social intoxicantes e não estou nas redes sociais. Podes acreditar ou não mas, a minha tensão alterial sobe com a proliferação de notícias que não deviam ser notícias, com a bandalhice com que todos os dias somos bombardeados e com a sensação de impunidade que, por um lado gera mais malandragem e, por outro, gera revolta em largas camadas da população que se sente impotente para mudar seja o que for.

    Por mim, faço o que posso com as condições que tenho. Quem dá aquilo que pode, a mais não é obrigado. Digo eu!

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