07 maio 2018

A Reforma do ensino da Economia: umas tantas questões para reflexão


Antes de mais, porquê “Reforma”?

É grande a diversidade de designações que tentam abarcar o movimento amplo que põe em causa o ensino tradicional da Economia, tentando contrapor-lhe uma alternativa – ou talvez complementaridade?- de abordagem plural, consciente do real e tomando-o como foco, pluridisciplinar e necessariamente complexa. Ouvimos falar no “repensar da Economia”, no “reensinar da Economia”, na “Econonomia pós-crise” e em muitas outras expressões. O termo Reforma foi cunhado por um grupo de economistas, professores de Economia e jornalistas críticos do mainstream, como Steve Keen, da Universidade de Kingston ou Larry Elliott, editor de Economia do The Guardian, entre muitos outros; uma das suas actividades, inspirada no lançamento da Reforma de Martinho Lutero, consistiu num cortejo monástico que, em Dezembro último, afixou as suas Teses na portaria da London School of Economics.

Que fazer do contributo neo-clássico?

À parte os efeitos histriónicos de tal manifestação, interessa-nos considerar o significado de “reforma”: segundo o dicionário Priberan o termo tem, entre outros sentidos, os de “mudança operada tendo em vista um melhoramento” ou ainda “nova organização ou modificação de uma organização existente”. Ora quando consideramos as principais razões por detrás das Teses acima referidas, e desde logo a segunda, constatamos não só que os seus autores valorizam positivamente a contribuição histórica da abordagem neo-clássica no ensino da Economia como referem que a mesma…         
 is still useful,  [although] there is ample opportunity for improvement, debate and learning from other disciplines and perspectives
Assim, a crítica frontal à intenção monopolizadora da teoria neo-clássica, à sua incapacidade de auto-regeneração, à pretensa isenção de valores de que se reclama, à cisão entre o económico, o político e o social que tenta operar, à negligência a que vota os recursos naturais e a ecologia, à quase total omissão do papel condicionante das instituições, desde logo as financeiras, e da incerteza na tomada de decisões… que as Teses explicitam, não permite no entanto associá-las a uma proposta de erradicação pura e simples do contributo neo-clássico do ensino da Economia, apesar dos melhoramentos e modificações cuja indispensabilidade justificam. Se economistas e professores de Economia heterodoxos há que o defendam, o mínimo que se poderá dizer é que tal concepção não é, de facto, generalizável.

Analisando o vasto acervo já existente de programas “alternativos” de ensino de Economia, constata-se uma grande diversidade de situações, desde as que consistem em reformas completas dos programas de estudos[1], às que se caracterizam por um acréscimo de “disciplinas críticas” – como a História do Pensamento Económico, a Economia Política, a Ética em Economia, por exemplo – , obrigatórias ou opcionais, aos currículos de licenciatura convencionais[2]. No entanto, em nenhum dos casos assistimos à eliminação radical da escola neo-clássica, antes à proposta do seu ensino crítico e do seu complemento nos termos já descritos.

A que ponto é a Reforma condicionada pela inércia das instituições?

Como tem sido repetido pelas diferentes vozes da heterodoxia, o monopólio do pensamento dominante no ensino da Economia deve muito à natureza conservadora e resiliente de muitas instituições académicas, grandemente dependentes dos processos internacionais de avaliação, certificação e controlo de qualidade. Essa dependência, ditada essencialmente por razões de financiamento, leva a que as universidades e, especificamente, as escolas de economia, negligenciem frequentemente temas de investigação de interesse relevante para as sociedades em que se integram e metodologias de abordagem que trariam resposta para a solução de importantes problemas concretos para os quais os potenciais empregadores desejariam que tivesse havido formação. Como se tem referido, as matérias que as revistas ditas de referência rejeitam publicar e os conteúdos e pedagogias de ensino que as organizações de acreditação recusam validar tornam-se pura e simplesmente invisíveis. Poderá residir aqui uma das razões, para além das que já apresentámos, para que o modelo dominante e unidirecional de base neo-clássica não seja simplesmente erradicado pela Reforma?

Não será, então, de pugnar também pela Reforma das instituições de avaliação, financiamento e acreditação?

Sem dúvida que sim. Começam a surgir organizações com uma postura crítica e exigindo mudança de concepção e funcionamento de tais instituições, como por exemplo o Collectif Économie Gestion[3], o Institute for New Economic Thinking[4], diversas associações de Economia Política e, muito especialmente, inúmeros colectivos de estudantes e investigadores, enquadrados geralmente por professores heterodoxos de referência[5], como já vem sucedendo em Portugal.

Ou não fosse o empenho das novas gerações de alunos, docentes e investigadores, o melhor garante da inovação no ensino da Economia[6].







[1] Como, por exemplo, a Goldsmith University of London, cuja página oficial da licenciatura em Economia pode ser consultada em https://www.gold.ac.uk/ug/ba-economics/ ou a University of Greenwhich, igualmente de Londres, cujos currículos podemos consultar em https://www.gre.ac.uk/ug/business-school/l100.
[2] Como no caso da Northampton University, por exemplo – ver https://www.northampton.ac.uk/study/courses/economics-ba-hons/

[4] Cuja página oficial pode encontrar-se em https://www.ineteconomics.org/about

[5] Ver, por exemplo, The Post-Crash Economics Society, da Universidade de Manchester, e a sua publicação Economics, Education and Unlearning, http://www.post-crasheconomics.com/economics-education-and-unlearning/.

[6] O que dificilmente sucede quando a condição profissional de investigadores e docentes é fortemente marcada pela precariedade: os investigadores portugueses estão actualmente a ser recrutados pelas universidades através de associações por elas constituídas, com direitos do trabalho muito mais reduzidos do que se contratados directamente.

2 comentários:

  1. Grato pela reflexão que propõe no seu post. Não creio que seja possível 'reformar' as escolas de economia que, como refere, passaram a ser meros veículos da ideologia económica hegemónica por via da dependência financeira. Sugiro a leitura de artigo recente no The Guardian com uma proposta bem mais radical e da qual partilho: https://www.theguardian.com/news/2018/apr/27/bulldoze-the-business-school
    Por cá constroem-se escolas de luxo de raíz (Nova SBE)com orçamentos a condizer.
    Saudações cordiais,
    Álvaro Fonseca (Lisboa)

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  2. Muito obrigada pelo seu comentário e pela sugestão de leitura. No entanto, não seria tão radical, embora concorde com boa parte do que ali se escreve. Talvez porque pense mais especificamente no ensino da Economia, minha área profissional, e não no da Gestão: com isto, caio no vício da compartimentação disciplinar mas neste domínio é importante a análise separada daqueles dois domínios de ensino.

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