Um primeiro facto que gostaria de
salientar respeita ao timing da
publicação. Nos últimos anos o INE tem realizado um esforço notório para
reduzir o hiato temporal entre a publicação destes importantes indicadores
sociais e o período a que dizem respeito. Este é o primeiro ano em que os dados
publicados sobre os indicadores de privação reportam ao próprio ano (2016) enquanto
os índices de pobreza e de desigualdade tem como referência os rendimentos do
ano anterior (2015). Não é ainda o que necessitamos para uma monitorização adequada
das políticas sociais e para uma resposta eficaz e atempada das políticas
públicas aos problemas sociais mais urgentes mas é um progresso. Parabéns ao
INE pelo esforço desenvolvido.
Os dados agora apresentados evidenciam
alguns aspectos positivos mas, simultaneamente, acentuam alguns factores de
preocupação.
Os principais indicadores de
pobreza para o conjunto da população evidenciam uma ligeira descida no ano de
2015. A taxa de pobreza diminui 0,5 pontos percentuais, passando de 19,5 para
19,0%. A taxa de intensidade da pobreza apresenta uma diminuição mais significativa,
superior a 2 p.p. São dados positivos que, no entanto, ainda estão muito longe
dos existentes antes do início da presente crise e da implementação das
políticas de austeridade. Como se pode observar no gráfico seguinte, e apesar
da pequena redução verificada em 2015, é necessário recuarmos ao ano de 2004
para encontrarmos valores de pobreza tão elevados no período pré-crise.
Taxa de Pobreza 2003-2015
A evolução dos principais
indicadores de desigualdade revela uma descida ainda menos significativa que a
ocorrida com a taxa de pobreza indiciando assim a permanência de elevados
níveis de desigualdade verificados no ano de 2014. O coeficiente de Gini assume
em 2015 um valor de 33.9% (era 34,0% em 2014) e o rácio que compara o montante
auferido pelos 20% mais ricos com os 20% mais pobres mantem-se praticamente
inalterado (6,0 em 2014, 5,9 em 2015).
Se a manutenção de elevados
níveis de pobreza e de desigualdade constitui em si mesmo um elemento de forte
preocupação social, que exige uma intervenção proactiva das políticas públicas,
os dados agora publicados salientam dois outros factores que acentuam essa mesma
preocupação.
O primeiro tem a ver com o
agravamento da taxa de pobreza da população idosa. A taxa de pobreza dos idosos
agravou-se entre 2014 e 2015 de 1,3 p.p. Esta evolução negativa da incidência
dos idosos é tanto mais preocupante na medida em que após décadas de redução do
seu valor. a partir de 2013 verificou-se uma forte inversão dessa tendência que
conduziu a que entre 2012 e 2015 a taxa de pobreza dos idosos tenha subido 3,7
p.p.
Esta deterioração das condições
de vida da população idosa exige um estudo mais aprofundado das suas causas mais
profundas sendo, porém, possível avançar desde já algumas linhas explicativas.
Em estudo recente demonstramos que existe uma larga proporção de idosos com
rendimentos situados próximos do valor da linha de pobreza e portanto com uma
incidência de pobreza muito dependente de pequenas oscilações do limiar de
pobreza. A ligeira subida do valor da linha de pobreza ocorrida no período 2013-2015
conjugada com o congelamento das pensões situadas nesta zona da escala de
rendimentos pode ter desempenhando um papel importante neste agravamento da
pobreza dos idosos. Uma segunda explicação possível é o recuo da eficácia das
políticas sociais de combate à pobreza dos idosos. Entre 2010 e 2015 o número
de beneficiários do CSI reduziu-se de 247 mil para 177 mil, uma redução superior
a 28%. O valor de referência do CSI, inicialmente concebido para ser idêntico ao
valor do limiar de pobreza, em 2015 era somente cerca de 93% da linha de
pobreza (o referencial do RSI era de 409€ e o valor da linha de pobreza agora
publicada pelo INE de 435€). Uma outra explicação possível é o da eventual
reconfiguração das famílias dos idosos que, no período de maior agravamento da
crise e do desemprego, receberam no seu seio as famílias dos filhos em
situações de elevada precariedade.
O segundo aspecto que gostaria de
realçar é o da permanência em 2015 de uma elevada taxa de indivíduos empregados
em situação de pobreza (10,9% em 2014 e 2015). O aumento da precariedade laboral,
a manutenção de níveis salariais muito baixos conduz a que permaneçam em situação
de pobreza uma proporção significativa dos trabalhadores empregados. Ainda que
a relação entre emprego/desemprego e pobreza não seja directa, na medida em que
a condição de pobre depende das características da família em que se está inserido,
algo vai mal no funcionamento dum mercado de trabalho que gera uma tão elevada
percentagem de working-poors.
Estas são apenas algumas
reflexões iniciais suscitadas pela leitura dos novos dados sobre as condições
de vida e os rendimentos esta semana publicadas pelo INE. Os números agora
trazidos a público exigem uma análise mais extensiva e mais aprofundada. Mas os
resultados já aqui analisados são suficientes para reafirmar que sem a vontade
política de se inverter a actual situação, sem uma estratégia concertada e
sustentada de combate à pobreza, Portugal continuará com níveis de pobreza que
são incompatíveis com uma democracia plena, um travão ao crescimento e ao
desenvolvimento económico e um factor de fragilização da coesão social.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.