29 maio 2013

As falsas verdades e a opinião pública

Por ocasião de encontros de fim de semana, com pessoas que têm em comum o gosto por caminhar e desfrutar assim da beleza das nossas paisagens, sucede por vezes (felizmente nem sempre!) a troca de pontos de vista acerca da crise e dos seus impactos na vida pessoal ou colectiva.

Surgem, naturalmente, opiniões díspares acerca deste assunto, quer no tocante ao diagnóstico, quer acerca do que podem ser os remédios mais adequados para resolver as actuais dificuldades.

Chamou-me a atenção uma questão que dividia dois companheiros de caminhada, relacionada com a atitude dos dirigentes alemães face aos países do Sul da Europa, aos quais impõem, usando o seu domínio sobre a União Europeia, uma política de violenta austeridade, que já tem sido qualificada como de um “ neoliberalismo brutal,” mas que eles entendem justificar-se como o preço a pagar pela assistência financeira que recebem.

Enquanto que uma das pessoas mostrava compreender a posição alemã e defendia ser este o castigo merecido por quem foi esbanjador e é preguiçoso, como seria o caso português, o seu interlocutor procurava explicar aquela posição argumentando com a manipulação da opinião pública alemã que assim seria induzida a defender as politicas da chanceler.

No seu entender, o verdadeiro impacto das politicas de austeridade não estaria a ser revelado ao público, criando-se aí a convicção de que estaria em causa um mero ajustamento para padrões de vida “ normais” e que os inevitáveis efeitos colaterais seriam, em todo o caso, suportáveis.

Desconhecendo até que ponto é sólido este parecer, ele levanta a questão importante da forma como se pode influenciar a opinião pública para dela conseguir o apoio para certas opções politicas de austeridade, que dificilmente passariam o crivo de uma análise isenta.

Certamente não é só o peso da opinião pública mal informada o factor explicativo da ausência de uma oposição eficaz àquelas politicas, que persistem, mesmo perante a evidência do erro que consubstanciam, e que muitos economistas (Paul Krugman, Robert Skidelsky, Jeffey Frankel, entre outros), têm vindo a denunciar insistentemente.

Mas há fortes indícios de que estamos longe de ter criadas as condições para uma opinião pública esclarecida, como seria indispensável para construir, de forma participada, melhores alternativas .

Será que não se lhe atribui a importância devida?

Ou, antes, será que se verifica o peso desproporcionado de alguns interesses capazes de influenciar a formação da opinião pública?

As consequências de uma opinião pública mal informada podem ser mais graves do que à partida se pensa, por exemplo, ao contribuirem para aumentar a cisão entre os países credores e os países devedores, tornando estes últimos cada vez menos relevantes nas instituições comunitárias.

Ou ainda, ao propagar a ideia de que a saída da crise passa pelo castigo dos preguiçosos e gastadores, não se divulga uma análise rigorosa das causas da crise e, por este motivo, não se tomam as medidas adequadas, ou protela-se a sua concretização. Basta ter presente, por exemplo, como é lenta a União Europeia na concretização da união bancária ou como é hesitante no controlo de movimentos de capitais especulativos.

Certo é que a repetição à saciedade de ideias falsas e fáceis de assimilar pela opinião pública, leva a que elas sejam tomadas como verdades indiscutíveis. E aqueles que se atrevem a questioná-las, quando o fazem, têm que enfrentar um combate desigual.

Se entre nós assim sucede, como podemos admirar-nos de que noutros países, necessariamente com menor conhecimento da realidade portuguesa, se generalizem percepções erradas acerca do que está a ser o impacto da politica de austeridade sobre a destruição do tecido económico e a dramática situação social...

O que tem sido feito pelos nossos governantes para contrariar ideias incorrectas nas opiniões públicas, influenciadas por informação escassa ou deficiente?

Será que não são bem eloquentes os indicadores da degradação económica e social que nos atinge?

Quanto terá que aumentar a taxa de desemprego, o número de pobres, quantos mais emigrantes portugueses são necessários para que se torne nítida a imagem de Portugal nos dias de hoje?

Ou será que é irrelevante o que sucede à vida das pessoas ?

***

Artigos recentes dos economistas citados:

Paul Krugman: Nightmare in Portugal – post do blog “The Conscience of a Liberal” de 27 de Maio de 2013;

Robert Skidelsky: Austere Illusions – Project Syndicate de 21 de Maio de 2013;

Jeffrey Frankel: The Flawed Origins of Expansionary Austerity – Project Syndicate de 20 de Maio de 2013.



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