Todos os
dias, quando me levanto, enquanto organizo o começo do dia vou ouvindo,
simultaneamente, as últimas notícias (para mim as primeiras !). É como que uma
espécie de pequeno-almoço antes de ter mergulhado em outras ocupações.
Uma das
notícias que surge sistematicamente, entre as 8,30 e as 9,00 horas, é a que faz
o resumo do comportamento da Bolsa, das Bolsas, em cada princípio de dia. Devo
confessar que, habitualmente, não tenho prestado grande atenção às informações aí
prestadas. No entanto, um dia destes algo me despertou que me fez arregalar
os olhos e a aguçar os ouvidos para tentar ouvir e compreender o que se dizia. E
o que ouvi e me ficou na memória foram coisas do seguinte jaez:
- Depois de um fim-de-semana muito agitado politicamente, a Bolsa de Lisboa
começou esta manhã a perder . . .
- A banca e a . . . Indústria são
os títulos mais penalizados, contrariando o que está a acontecer na Europa: as
restantes bolsas europeias estão a negociar em terreno positivo.
- Os juros da dívida portuguesa também estão a
ser penalizados; no caso da dívida a dez anos já ultrapassaram os seis e meio
por cento e no prazo a cinco anos os juros andam perto dos cinco e meio por
cento.
- As principais bolsas europeias estão hoje em
baixa. A evolução da crise cipriota e . . .
- . . . o presidente do Eurogrupo,
o ministro holandês Jeroen Dijsselbloem, insinuou que o modelo de ajuda
financeira a Chipre, que prevê elevadas taxas sobre os depósitos acima dos 100
mil euros, poderia vir a ser adotado noutros países da zona euro.
- O ministro das Finanças cipriota afirmou na
terça-feira que os depósitos acima dos 100 mil euros podem sofrer um corte de
cerca de 40%.
Peço desculpa
aos leitores de já não me lembrar de mais nenhuma das informações, mas o que é
certo é que estas foram suficientes para me pôr a cabeça a rodopiar, e foram múltiplas as interrogações que se me colocaram durante o dia. Essas interrogações tinham a ver
com as notícias também transmitidas sobre: o número de insolvências, a taxa de
desemprego, o aumento de pedidos de ajuda nos serviços de apoio do Banco Alimentar,
o esgotamento das reservas alimentares nos vários serviços de apoio social da
diocese de . . . , as longas filas nos balcões dos Centros de
Emprego, o homem que se atirou do 5º andar da sua casa para a rua porque lhe
deram 3 dias para abandonar a casa com a mulher e três filhos menores, porque
não pagava as prestações do empréstimo há cinco meses, o cada vez maior número
de sem-abrigo nas arcadas dos prédios, etc.
Perguntava-me
eu: se estas notícias nos fornecem uma imagem, apesar de tudo benevolente, das preocupações e das
dores da grande maioria dos portugueses porque é que se gastavam ondas com o
que se está a passar na Bolsa, nas Bolsas? A quem interessam as notícias
sobre o comportamento das Bolsas?
Não precisei
de muitos minutos para concluir que interessam pouco aos que são
os sujeitos das dificuldades e desgraças que acima enunciei. Mas interessam,
então, a quem? Pensando bem, interessam, em primeiro lugar, aos que são responsáveis, ou primos dos
responsáveis, da atual situação de degradação, de recessão, de desesperança
deste país: os bancos, os grandes grupos financeiros, os grupos que especulam
sobre as aplicações de capital, etc. Talvez existam alguns outros pequenos investidores fora deste grupo, mas não creio que viver apenas dos rendimentos do capital seja futuro radioso para alguém
E com isto me
fui ficando a matutar durante o dia, até que chegou a hora de me deitar.
Deitei-me, mas demorei bastante tempo a passar para o outro lado: virava-me para
a esquerda, virava-me para a direita, virava-me para o centro, e nada, durante
muito mais tempo do que o que eu desejava. Finalmente lá me fiquei!
Comecei por ter um sono
agitado. Primeiro tive a visão de uma Europa destruída, como se tivesse havido
uma guerra, em que os seus países se comportavam como se estivessem numa
cerimónia de autofagia: os mais fortes tudo faziam para se apropriarem, ou
permitirem que forças do Além se apropriassem, dos recursos dos mais fracos.
Entre e dentro dos mais fracos havia quem tivesse comportamentos colaboracionistas com os mais fortes. Acordei assustado, levantei-me, dei uma volta pela casa e regressei ao sono.
O sono passou,
então, a ser mais repousado e tive um sonho de cujos contornos, contrariamente
à maioria dos sonhos que tenho, me lembro com bastante precisão. Era
uma notícia da rádio em que se dizia:
“ Senhores ouvintes, a Rádio XXX
tem o prazer de levar ao vosso conhecimento o resultado de um trabalho que tem
vindo a ser desenvolvido pelos nossos redatores, X e Y, que teve como objeto construir
um Índice sobre a situação económica e social do país. O Índice tem como
variáveis de observação:
- Taxa de desemprego, verificada
no mês anterior:
- A evolução da dívida
portuguesa, pública e privada, no mês anterior;
- O número de falências de
empresas e pessoais, verificado na última semana;
- O número de habitações
devolvidas aos bancos por falta de pagamento de prestações, no último mês;
- O número de pessoas que fizeram
fila no Centro de Emprego, na última semana;
- O número de refeições servidas
nas Cantinas Sociais, na última semana;
e um conjunto considerável de outras
variáveis que os ouvintes podem consultar no nosso site: http://xxx.pt.
O Índice e cada uma das suas variáveis
têm uma base 100 em 2 de Maio último. Depois de ponderadas, de forma
conveniente (que podem consultar no mesmo site), estas variáveis, obtém-se o valor do Índice global.
Temos o prazer de vos anunciar a
nova iniciativa desta vossa Radio mas, simultaneamente, é com pesar que não
podemos deixar de vos anunciar que o Índice, desta semana tem um valor de 87,8,
tendo diminuído 4%, em relação ao da semana anterior”.
O Programa
continuou e eu virei-me para o outro lado. Quando acordei verifiquei que,
infelizmente, tudo continuava na mesma. Tive então um propósito: como a iniciativa,
anunciada, apenas em sonho, me pareceu uma boa ideia, irei procurar sensibilizar
para ela quem conhecer e possa ter alguma capacidade ou influência com vista a
que este sonho se torne realidade.
Proponho aos leitores que façam o mesmo. Talvez um dia destes possamos acordar com o anuncio dos resultados de um Índice da situação económica, mas também social, do país.
Proponho aos leitores que façam o mesmo. Talvez um dia destes possamos acordar com o anuncio dos resultados de um Índice da situação económica, mas também social, do país.
E talvez se pudesse sugerir à tal rádio (que todos já viram qual é)que faça mais um dos seus (muitas vezes interessantes)"fora",que seja de auto-crítica, sobre o interesse da sua informação bolsista confrontada com informação sobre a situação social e económica realmente existente. Informar para discutir é democratizar a economia.
ResponderEliminarTalvez, não! De certeza que a sugestão vem muito a propósito.
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