No tempo da Roma imperial, os romanos chamavam Mare Nostrum ao Mar Mediterrâneo. Eles dominaram com efeito essa zona estratégica, ao Norte e ao Sul, ao Ocidente como a Oriente. É interessante pensar como uma região relativamente pequena do planeta exerceu durante séculos uma influência tão determinante na cultura e nas civilizações criadas pelos seres humanos nas peripécias da sua História. Mas hoje, dos dois lados do Mediterrâneo, tão próximos na Geografia mas aparentemente mais incomunicáveis e separados do que nunca, registam-se profundas convulsões de significado e destino incertos.
Pondo agora entre parêntesis a questão económica, olhemos antes o tema das grandes religiões. O cristianismo foi, durante séculos, a religião marcante do homem ocidental, em particular nos países ditos «desenvolvidos» da Europa e da América. Estima-se que nos começos do século passado, mais de 70% dos cristãos estivessem localizados nos países do Atlântico Norte, e menos de 30% no Sul. Hoje em dia, estas proporções inverteram-se, o Cristianismo murchando nos países de maior pujança económica, em particular na Europa, e renascendo na América do Sul e na África. E o Vaticano, como símbolo do poder formal da Igreja Católica, perdendo significado e relevância.
O islamismo, por outro lado, apresenta-se como a outra grande religião do planeta e, ao contrário do cristianismo, aparenta grande vitalidade, embora surgindo por vezes ao serviço de causas sinistras e usando meios terroristas que, por todo o lado, além do mais servem de pretexto para subordinação da ordem democrática às preocupações de segurança.
Como interpretar neste contexto, a inesperada avalanche de contestação popular em países do Norte de África, diferenciados entre si, mas ao menos tendo de comum regimes autoritários tolerados, ou mesmo apoiados pelas democracias ocidentais? E que agora, com alguma hipocrisia, se apressam a denunciar os abusos desses regimes?
Além do mais, creio tratar-se dum enorme desafio à mais profunda religiosidade do ser humano, seja qual for a expressão formal da mesma.
Pois afinal, trata-se de saber se acreditamos num Deus que é, acima de tudo, garante e suporte da liberdade e da solidariedade humanas ou, pelo contrário, se nos servimos da sua imagem para oprimir, ou mesmo destruir, todos os outros que não servem os nossos interesses.
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