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24 fevereiro 2014

Educação e mobilidade social

Os novos resultados do PISA (Program for International Students Assessment, OCDE,http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results-overview.pdf ) têm vindo a ser comentados sobretudo pelo facto de, em Portugal, a mobilidade social intergeracional ser baixa e poder até ser negativa, quando se confrontam as duas últimas gerações.

Ou seja, ao contrário da tendência de fundo ao longo do último meio século, e igualmente na maioria significativa das economias ditas mais desenvolvidas, começam a surgir na actual geração de jovens portugueses/as  casos significativos de nível médio de qualificações idêntico ou inferior  aos da geração anterior. Do mesmo modo, tendem a receber-se rendimentos salariais médios iguais ou mais baixos do que a geração precedente, para um mesmo nível de estudos. Esta tendência, que começa a verificar-se muito significativamente para pais e filhos/as detendo ambos o ensino superior, não constitui, de facto, uma novidade: já num documento de 2010, da OCDE (*), se constatava ser Portugal um dos países de mais elevado índice de persistência, entre gerações, de rendimentos ao nível do ensino secundário; e, também, que a probabilidade de um/a licenciado/a ser filho/a de pais com licenciatura assumia, em Portugal, um dos valores mais elevados na União Europeia...

Estas observações, agora agravadas por efeito da crise económica e social, levam a concluir que a educação já não consegue promover a mobilidade social, o que é parcialmente verdade. Mas só parcialmente...

Com efeito, grande parte da responsabilidade terá que ser partilhada com a incapacidade do tecido económico - na sua maioria constituído por pequenas, médias e micro empresas - para endogeneizar, ou absorver, qualificações mais elevadas: as deficiências ao nível dos conhecimentos e práticas de gestão e organização do trabalho, as cada vez maiores dificuldades económicas das empresas daquele tipo e, em grande medida, a falência, de há muito constatada, de uma política de inovação que suporte o incremento sustentado das exigências das empresas em qualificações, para tal tem vindo a contribuir.

Mais recentemente, a liberalização progressiva do Direito do Trabalho, com a concomitante desvalorização sistemática dos direitos dos/as trabalhadores/as, tem vindo a facilitar que, perante a asfixia económica provocada pelas sucessivas medidas de austeridade, o mercado de trabalho se "ajuste em baixa", descartando trabalho, mas também oferecendo cada vez mais trabalho não digno, na expressão cunhada pela OIT: empregos de curta duração e a tempo parcial, ambos involuntários, horários anti-sociais, remunerações médias cada vez mais abaixo dos níveis de escolaridade e de profissionalização de referência...sobretudo para a geração mais jovem.

Ainda o impacto das medidas de austeridade, agora em duas outras vertentes. Uma delas, já aqui referida anteriormente, a conduzir ao abandono crescente de estudos universitários, ou à desistência pura e simples de prosseguir para o ensino superior, por parte dos/as mais jovens com menos recursos económicos; assim se reforçando a tendência "endogâmica" do/a licenciado/a filho/a de licenciado/a... 

A outra, consistindo no problema dos/as jovens que se encontram fora do mercado de trabalho mas que também não estão em educação ou formação, a que na gíria se vem chamando a "geração nem-nem": segundo um estudo de Raquel Martins (Público, 24 de Novembro de 2013) entre o 3º trimestre de 2011 e o 3ºtrimestre de 2013, o peso dos/as jovens naquela situação dentro do escalão etário dos 25 aos 34 anos tinha aumentado de 15,3% para 20,4%...

É o desperdício dos recursos humanos de uma geração, a par de um enorme e crescente drama social, que estão em causa. Mas é, também, o reforço da desigualdade (em parte) pela escola, a erosão das bases da formação avançada, o retrocesso no caminho da construção do conhecimento e do saber, numa sociedade em que  apenas 28,3% da população (18,3% homens e 31,5%) contra  35,3% na União Europeia a 27 (UE27), detinha, em 2012, o ensino superior.  E onde o gasto público em investigação e desenvolvimento (GERD) rondava os 234,2 euros por habitante enquanto  o correspondente valor para a UE27 orçava os 529,6 euros por habitante, em 2012 (**)...


Margarida Chagas Lopes




(*) "A family affair: intergenerational social mobility across OECD countries (in Economic Policy Reforms - Going for Growth, http://www.oecd.org/centrodemexico/medios/44582910.pdf )

(**) Base de Dados EUROSTAT (http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/show.do?dataset=rd_e_gerdact&lang=en) .

13 janeiro 2014

"Até que nível de escolaridade pretende seguir?"

Aguarda-se com grande expectativa a ampla divulgação do relatório que a Comissão Europeia encomendou à Mc.Kinsey, sob o título "Educação para o Emprego: Pôr a Juventude Europeia a Trabalhar", em discussão hoje em Bruxelas (1).

O título do relatório - a não ser caso de uma infeliz tradução - dá que pensar. Por um lado, surge no mínimo como irónico num contexto, o da União Europeia, em que mais de 5,5 milhões de jovens com menos de 25 anos se encontram desempregados/as (EUROSTAT, Novembro 2013) e sem que a política europeia a isso tenha tentado fazer face através de medidas minimamente credíveis. 

Por outro, faz levar a crer que a educação conduz necessariamente ao emprego, como queriam as hoje amplamente criticadas teorias do capital humano. Com efeito, conhece-se de há muito a gravidade do desajustamento qualitativo e estrutural nos mercados de trabalho europeus, onde é cada vez mais difícil fazer corresponder as competências "produzidas" pelos sistemas de educação e formação às competências necessárias ao desenvolvimento económico e social, ou mesmo à simples reprodução das condições produtivas. Trata-se de aspecto que não aprofundaremos de momento.

Preocupemo-nos então com alguns resultados educativos, analisando três indicadores significativos. Quanto à situação em Portugal relativamente ao abandono precoce da escolaridade - percentagem da população jovem com idades entre os 18 e os 24 anos que, tendo no máximo o ensino básico (9º ano, em Portugal), já não se encontra em educação ou formação - atingia entre nós, em 2013, os 27,1%, para os homens e os 14,3% para as mulheres (14,5% e 11,0%, respectivamente, para a União Europeia a 27, no mesmo ano). Também, segundo a OCDE (2013, Education at a Glance, EAG), a percentagem da população total dos 25 aos 34 anos tendo completado o ensino superior, era, em 2011, de 27% em Portugal, 39% na OCDE e 31% na União Europeia (21 EEMM). Apesar do enorme progresso verificado no nosso País na primeira década do milénio, o certo é que a taxa de graduação, ou de finalização do 1º ciclo do ensino superior, mal ultrapassa entre nós os 40%: ou seja, de cada 100 estudantes que hoje entram na Universidade, só cerca de 40 completam uma licenciatura na primeira tentativa (OCDE 2013, EAG)...

Perante isto, apetece perguntar se será perante a dimensão da dificuldade ou pela maior comodidade de "nivelar por baixo" que alguns governantes membros do CDS pugnavam, no fim de semana passado, pela redução da escolaridade obrigatória em Portugal de novo para o 9º ano?!


Quais, então, as razões para perdas tão significativas em qualificação dos Recursos Humanos como aqueles números nos permitem ver? Quais os principais factores por detrás deste voltar de costas à escola, tanto nos  mais modestos como nos mais elevados níveis de escolaridade, aspecto que nos situa num dos piores lugares face aos nossos congéneres europeus e, mesmo, da OCDE?

Não será decerto alheio àqueles resultados o facto de cerca de metade (47%) dos/as jovens europeus/eias descrerem totalmente da obrigatoriedade de uma relação positiva educação-emprego, como  o relatório Mc.Kinsey referirá... 

Por outro lado, e como se prevê também que aquele relatório desenvolva, tem a ver com o custo das propinas no Ensino Superior, aos quais acrescem importantes custos de deslocalização. Segundo o estudo da OCDE acima indicado, o valor médio das propinas pagas no ensino superior público em Portugal situava-se, em 2010-2011, no mesmo escalão (dos 1000 - 2000 dólares dos Estados Unidos, em paridade dos poderes de compra) que os Países Baixos, e também Espanha e Itália, bastante acima dos valores equivalentes para os  outros países estudados da União Europeia, excepto o Reino Unido (OECD 2013, EAG). Se a este facto associarmos a evolução negativa da política social escolar nos últimos anos, sobretudo no que respeita à atribuição de bolsas, perceberemos melhor por que o abandono no ensino superior português tem vindo a aumentar tão significativamente, como ainda há pouco nos alertava o Conselho de Reitores.

Haverá certamente muitos factores de diversa natureza por detrás daqueles infelizes números e boa parte deles tem sido analisada para Portugal em investigação recorrente: a influência da escolaridade e do nível cultural e económico dos pais e das mães, os contextos de residência e escolar, o modelo de organização da escola, as suas propostas pedagógicas... Em certa medida, e em fases mais estáveis da conjuntura, também a "concorrência" exercida pelo mercado de trabalho, sobretudo em relação às/aos adolescentes, terá as suas culpas. O que parece que o esperado relatório vem, finalmente, sublinhar é a importância dos factores económicos e, em especial, a escassez de rendimentos pessoais e familiares, por detrás dos comportamentos de não progressão e abandono. A ser assim, trata-se do preenchimento, ou reforço, de uma causalidade pouco ventilada, quando não até proscrita das análises habituais sobre educação pública, inseparável dos factores de crise que ela atravessa hoje em dia, e que muito apraz sublinhar.


Então, em vez da pergunta que dá título a este post, forma habitual de colocar a questão nos questionários sobre expectativas em educação, deveríamos vir a assistir à formulação muito mais pertinente - "Até que nível de escolaridade tem condições para seguir?"

Margarida Chagas Lopes

(1) Entretanto, o relatório executivo ficou disponível no "site" da Mc.Kinsey:

Merece absolutamente uma leitura atenta. As interpretações e suposições que acima se fazem são totalmente fundamentadas pelo relatório.