Em antecipação ao comunicado do Banco de Portugal, ouvimos
comentadores a preparar a opinião pública para o essencial do que estava já
definido como solução para o grave
problema criado pelo Grupo Espírito Santo: as consequências dos erros e das
ilegalidades ficavam com os responsáveis pela anterior gestão do BES,
salvaguardados iriam ficar os direitos dos depositantes do banco, bem como a
saúde do sistema financeiro nacional. E tudo sem custos para os contribuintes,
disseram eles.
É provável que as opções possíveis não
abundassem, mas como aceitar o tempo que decorreu entre os primeiros sintomas
da doença e a intervenção das entidades reguladoras, o que permitiu à gestão
privada concretizar operações financeiras ilícitas, muito gravosas para o banco
e para a imagem do sistema financeiro português?
Parecendo que, com a solução adoptada, o
objectivo de dar aos depositantes as garantias de segurança necessárias terá
sido atingido, subsiste um elevado grau de incerteza em aspectos essenciais,
desde a qualidade dos activos que ficarão no Novo Banco, o impacto de
previsíveis acções legais, a questão do reembolso dos fundos públicos
emprestados ao Fundo de Resolução para capitalizar o banco, o grau de
probabilidade de uma reprivatização bem sucedida ( a operação em curso tem sido
assimilada por alguns analistas a uma “nacionalização temporária”), o que podem
ser as futuras orientações empresariais, nomeadamente em matéria laboral, etc.
A seguinte afirmação do Governador do Banco
de Portugal, justificando a dificuldade de intervir atempada e eficazmente como
regulador, deveria merecer toda a atenção:
“O
Grupo Espírito Santo, através das entidades não financeiras não sujeitas a
supervisão do Banco de Portugal, desenvolveu um esquema de financiamento
fraudulento entre as empresas do grupo. A experiência internacional evidencia
que esquemas deste tipo são muito difíceis de detetar antes de entrarem em
rutura, em especial quando a atividade é desenvolvida em várias jurisdições.”.
Quando o capital se move no espaço global,
sob a responsabilidade exclusiva dos seus detentores, aproveitando vantagens
fiscais e regulações permissivas, que outra coisa se pode esperar, sobretudo
quando se aposta na reputação de seriedade de um banqueiro?
Se uma desejável regulação financeira global
é difícil de alcançar no curto prazo, outras medidas poderiam ser, entretanto,
adoptadas, entre elas, por exemplo, a separação entre os bancos comerciais e os
de investimento, o combate aos paraísos fiscais, o desencorajamento de
actividades especulativas. Não serão já demasiados os prejuizos de adiar
medidas verdadeiramente eficazes para regular o sistema financeiro?