01 setembro 2019

Desinvestimentos…


O retorno à actividade parece estar a fazer-se, em Portugal, sem grandes inquietações. Em termos sociais assistimos a mais do mesmo: os incêndios, o descalabro das entidades financeiras, os crimes de corrupção e outros, que, não tendo ultrapassado as marcas habituais, se vão enquistando na inércia das reacções. O mundo lá fora é um lugar perigoso, cada vez mais; mas a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos e as crises na Alemanha e na Itália parecem passar-nos ao lado. As crises dos refugiados apoquentam-nos bastante, do ponto de vista humanitário, mas não compreendemos, ou não queremos compreender, a sua fenomenal dimensão política: afinal, não temos costa no Mediterrâneo…

A perda da Amazónia veio sobrepor-se “[à]quele engano de alma ledo e cego”  dadas as dimensões da catástrofe, os indecorosos interesses envolvidos e, muito especialmente, a bestialidade e arrogância das decisões dos mandantes, acima de toda a crítica internacional.  Já não é mau que se desperte para o drama ecológico que representa esta destruição do "pulmão do planeta", no qual há que destacar a ameaça (deliberada?) à sobrevivência das populações indígenas e dos pequenos agricultores que aí vivem. Mas também aqui raramente se vai ao fundo das questões, negligencia-se o papel político da riqueza mineral que inclui, entre outros, petróleo, gás, minerais radio-activos ou mesmo as potencialidades em produção de electricidade por via não fóssil. Ignoram-se ou pretendem ignorar-se, por comodidade de opções, os enormes conflitos de interesses políticos internacionais que a Amazónia e suas riquezas despertam à escala global. Mesmo sendo o segundo país europeu a pagar mais cara a electricidade, não aprofundamos a reflexão.
Somos mais do que dominados pelo local e pelo curto prazo, como tão claramente salienta Manuela Silva nos seus mais recentes posts neste blogue.

E, assim, desinvestimos enquanto cidadãos responsáveis e com o dever de intervenção cívica.

A Economia parece igualmente sorrir-nos, ou pelo menos não inquietar. Discutindo os especialistas sobre as maiores ou menores probabilidades de uma nova crise internacional, são quase unânimes na conclusão de que, a verificar-se, ela pouco ou nada afectará a economia portuguesa. Afinal, as contas externas voltaram a desequilibrar-se mas apenas de forma momentânea, devido à importação de mais aviões pela TAP. O nível geral de preços – e de juros – continua muito baixo (perigosamente pró-deflação?), as contas públicas estão equilibradas… Isto por agora.

Mas talvez valha a pena aprofundar uma ou duas tendências económicas. 

Nesta população cada vez mais envelhecida, com 157 idosos para cada 100 jovens segundo o Retrato de Portugal (2018, 2019) da PORDATA[1], 52% ainda não possui os ensinos Secundário ou Superior, valor que compara com 22,5% na média europeia. Destaque-se o aspecto tantas vezes referido, mas pouco ilustrado, da falta de qualificações dos empregadores portugueses: cerca de 54,5% detém menos do que o ensino Secundário completo, enquanto o valor médio correspondente na U.E. é de 16,6%. Sendo baixa igualmente a qualificação média dos trabalhadores, não admira que a produtividade média horária em Portugal seja apenas cerca de 2/3 da correspondente média comunitária.

O que já surpreende é a que a Formação Bruta de Capital pelo Estado, em percentagem do PIB, seja a penúltima mais modesta da EU, a seguir à da Grécia. Aliás, neste domínio a recuperação pós-crise está a fazer-se muito lentamente, de acordo com a base PORDATA:


A Figura mostra-nos ainda que o desinvestimento se tem  vindo a fazer tanto nos domínios do investimento público em si como nos gastos com saúde e educação. Contentar-nos-emos, ou estaremos condenados, à eternização daqueles défices de qualificações e de produtividade? Admirará muito que os problemas se venham acentuando nos dois sectores públicos considerados?

E como acautelar o futuro, sabendo também que a poupança privada tem vindo a diminuir drasticamente e que o grau de abertura ao exterior da economia portuguesa se mantém tão elevado?

Na ausência de uma proposta clara a este respeito, vamos desinvestindo, sem dar por isso...



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