09 maio 2019

O que há de verdade sobre o desemprego de licenciados?


Quando em Fevereiro passado o INE divulgou os dados trimestrais do emprego generalizou-se a convicção de que o desemprego dos licenciados estaria a aumentar. Para isso muito contribuíram as parangonas de diversos periódicos, mais interessados em oferecer cachas às direcções editoriais do que em analisar rigorosamente a informação antes de a tornar pública. Em vários casos, as opiniões dos especialistas que contactaram para comentar aqueles dados parecem ter sido retalhadas e desinseridas do contexto, oferecendo-se aos leitores um puzzle de explicações não encaixáveis e pouco credíveis.

Esperando pela divulgação trimestral seguinte, que ocorreu hoje, constata-se que o INE não retomou o destaque daquele tema, pelo que nos parece justificar-se uma análise mais aprofundada do mesmo.

Está, ou não, a aumentar o desemprego de licenciados?

Comecemos por rever alguns conceitos[1]. A população desempregada é constituída pelos indivíduos em idade de trabalhar que não têm emprego, estão imediatamente disponíveis ou apenas temporariamente indisponíveis para ocupar um posto de trabalho e têm feito diligências para procurar emprego. Já o desemprego registado é, grosso modo, o subconjunto daqueles indivíduos que se encontram inscritos nos Centros de Emprego. Isto é, se o primeiro dos conceitos tem a ver com a situação geral de desemprego, o segundo remete para uma das formas de procura de emprego por parte dos desempregados.

Outra distinção que importa fazer é entre fluxos de desemprego e stock de desemprego, sendo importante quanto a este último considerar a sua estrutura e composição. Finalmente, importa ter em atenção que os dados que estão em apreciação são dados trimestrais, não estando corrigidos da sazonalidade; assim, é natural que se assista, eventualmente, a um aumento do desemprego após o efeito expansivo do Verão, por exemplo. A forma correcta de proceder à análise da evolução temporal consiste, então, em se compararem trimestres homólogos, o que reduz drasticamente o número de observações quando em presença de um período curto.  

O que nos dizem, então, os dados?

Os  dados anualizados do INE revelam-nos que a taxa de desemprego de licenciados, seja à procura de primeiro emprego ou de novo emprego, tem vindo a diminuir sempre desde 2013. Constatando – se  que a taxa de desemprego dos jovens tem vindo a diminuir mais acentuadamente do que a taxa global, convirá aprofundar a análise para averiguar se este “efeito idade” se estenderá também, ou não, ao desemprego de licenciados. 

Não é fácil proceder-se a esta análise mais aprofundada a partir das estatísticas nacionais acessíveis ao grande público. No entanto, a base de dados da Comissão Europeia - EUROSTAT[2]- permite aceder a uma grande diversidade de cruzamentos e combinações das variáveis pertinentes por simples consulta on line. Ora o INE é o interlocutor nacional junto do EUROSTAT, ao qual transmite obrigatoriamente os dados oficiais da nossa economia; assim, por um simples procedimento de by pass, acedemos a combinações e cruzamentos dos nossos dados aos quais internamente só teríamos acesso por solicitação específica.

Procedemos então à consulta, naquela base, da evolução da taxa de desemprego dos  licenciados portugueses desagregada por cinco grupos etários: 20-24, 25-29, 30-34, 35-39 e 40-59 anos. O resultado coincide com as conclusões anteriores – em todos aqueles intervalos de idades a taxa de desemprego de licenciados diminui sistematicamente desde 2012 ou 2013.

De onde surge, assim, a convicção de que o desemprego de licenciados está a aumentar?

Considerámos, seguidamente, as estatísticas do IEFP para obtermos o comportamento do desemprego registado. E então, sim, o mistério começa a desvendar-se: o desemprego registado de licenciados inscritos em centros de emprego veio a crescer sempre desde 2009, acentuando-se esta tendência nos escalões etários superiores. Ou seja, não é o desemprego de licenciados que aumenta mas sim o sub-conjunto dos que procuram emprego através dos centros de emprego, compondo assim o desemprego registado.

A questão que deverá, então, colocar-se é a seguinte: que razões estão a fazer com que esta forma de procura de emprego esteja a aumentar entre os licenciados? Sem um estudo aprofundado, apenas se poderão avançar algumas hipóteses: a crise poderá ter contribuído para enfraquecer as relações interpessoais, forma privilegiada de acesso ao emprego altamente qualificado; a precariedade e a sub-remuneração dos jovens licenciados desencadearão um efeito de concorrência pelo emprego entre estes e os seus colegas mais idosos, desfavorável para estes últimos: a experiência acumulada vale cada vez menos num contexto em que, face ao ritmo da inovação, o que mais se valoriza é a capacidade de adaptação rápida, de flexibilidade, de aceitação do desrespeito pelos direitos do trabalho. Há quem refira também a influência do efeito Brexit que estará a fazer engrossar o retorno dos jovens que protagonizaram o brain drain; afastados do país durante uns anos, terão perdido o acesso a outros mecanismos de procura de emprego, optando assim por se registarem nos centros.

Se até aqui analisámos a tendência evolutiva dos fluxos de desemprego, importa agora considerar o stock, ou seja, o desemprego total bem como a sua estrutura por níveis educacionais. Desagregando o volume de desemprego por grandes grupos de profissões, constatamos que a percentagem de desemprego do grupo 2 – especialistas das profissões científicas e intelectuais … tem vindo a aumentar relativamente à proporção dos outros grupos profissionais. O que significa que o desemprego nos restantes tipos de qualificações –  inferiores – tem vindo a diminuir mais do que proporcionalmente. Ainda por outras palavras, a economia estará a absorver proporcionalmente mais desempregados com níveis de escolaridade inferiores ao ensino superior. Esta tendência é, aliás, corroborada pela constatação de que a percentagem de licenciados no emprego total dos sectores de alta e média alta intensidade tecnológica tem vindo a diminuir, aumentando aí mais do que proporcionalmente a percentagem de emprego com níveis educacionais abaixo do ensino superior[3].

Ora este último resultado, não indicando igualmente qualquer aumento do desemprego de licenciados até ao momento, sugere que aqueles estarão a ser objecto de sub-valorização, estando as ocupações que lhes deveriam corresponder a ser crescentemente ocupadas por detentores de qualificações inferiores. Job mismatch, ou desajustamento, entre as estruturas da procura e oferta de qualificações no mercado de trabalho português? Ressurgimento do “efeito êmbolo” conducente à compressão da estrutura das qualificações e à reafectação em baixa das mais elevadas?[4]
São outras tantas pistas para reflexão.

Por agora, podemos afirmar: não, o desemprego de licenciados, em geral, não está a aumentar.





[1] Para uma informação mais completa, consultar o Portal do INE, em https://ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE  e a página electrónica do IEFP, em https://www.iefp.pt/estatisticas
[3] Eurostat database – Science & Technology Indicators, cf. 2.
[4] Chagas Lopes, M. (2011). Education, Vocational Training and R&D: Towards New Forms of Labour Market Regulation. Journal of Research in Educational Sciences, vol. 0(1):16-31. 4, https://ideas.repec.org/p/pra/mprapa/32412.html

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