Não
deixa de ser curioso que, na semana em que termina a Web Summit deste ano, uma
das principais parangonas de um dos suplementos económicos de jornais
portugueses tenha a ver com a queda dos salários dos licenciados para valores
só comparáveis aos de antes da crise económica[1]. Aí também se refere que
diminuição idêntica se verifica no sobre prémio real dos licenciados face,
designadamente, aos diplomados pelo ensino secundário.
Vale
então a pena “investir” no Ensino Superior? Esta questão coloca-se, com razão,
a muitos estudantes que concluíram o Ensino Secundário, bem como às suas
famílias.
Do
ponto de vista individual, e pensando que “valer a pena” significa um ganho traduzível
apenas em termos de acréscimo de remuneração, aquela questão faz sentido. No entanto,
as vantagens em termos de desenvolvimento do conhecimento, da capacidade de
intervenção cívica, da apreensão de perspectivas múltiplas de intervenção no
económico e no social, do desenvolvimento, e aplicação, do conhecimento tácito
socialmente responsável, entre muitos aspectos, fazem do Ensino Superior um
promotor fundamental do conhecimento para o desenvolvimento sustentável.
É
certo que se verifica hoje em dia uma taxa de desistência significativa entre
os estudantes portugueses na transição entre o Ensino Secundário e o Ensino
Superior. Em trabalho muito recente, desenvolvido com base em Inquéritos da
Direcção Geral da Estatística da Educação e Ciência (DGEEC), pudemos constatar aquela
desistência significativa, paralela à existência de períodos superiores à
média, em Portugal, na transição entre aqueles dois graus de ensino[2]. E constatámos também,
através da análise dos dados da DGEEC, que as principais razões invocadas para o
não prosseguimento de estudos foram a “vontade de ganhar o seu próprio dinheiro”,
as dificuldades financeiras próprias e/ou das famílias, a dificuldade de
compatibilizar um emprego – que, em muitos casos, se afirma indispensável – com
os estudos superiores, entre outros aspectos.[3]
O
peso das razões financeiras como obstáculo àquela transição não admira, já que
o valor médio das propinas que se pagam em Portugal, corrigido das p.p.c., é
elevado em termos europeus, o Governo não contribui financeiramente para as
mesmas e os custos de alojamento têm sido até agora bastante elevados. Por
outro lado, e como por diversas vezes temos vindo a referir, a política pública
de acção social relativamente ao Ensino Superior é altamente oscilatória, especialmente
em termos de bolsas de estudo, verificando-se uma associação directa entre os
momentos de crescimento do número daquelas e o aumento da taxa de inscrição no Ensino
Superior desfasada um ano. Do mesmo modo, os gastos relativos do Estado com o financiamento
do Ensino Superior não têm verificado uma tendência de reforço sistemático e
inequívoco, associando-se aos problemas que decorrem do modelo de financiamento
daquele grau de ensino, a necessitar há muito de revisão.
Perante a
desvalorização social do Ensino Superior aos olhos dos alunos e das suas
famílias[4], também não se vêm
campanhas públicas que contribuam para reverter aquela tendência, mostrando as
potencialidades daquele grau de ensino em termos de desenvolvimento do conhecimento e
responsabilidade social.
E,
no entanto, é isto mesmo que surpreende.
Com
esta forma de intervenção o Estado não dá indicações estratégicas, ao contrário
do que deveria, de que fomenta o desenvolvimento de um conhecimento capaz de reproduzir
o espírito crítico e a apreensão da complexidade - preparado, desejavelmente, pelo contacto com
abordagens teóricas diversificadas e plurais e pela resolução
de problemas concretos - para deter uma visão holística dos processos e
mecanismos económicos e sociais, factores fundamentais para a promoção de
sociedades mais igualitárias e justas e, também, da inovação económica e social.
Com
efeito, a inovação económica e social corre o risco da descontinuidade e não
sustentabilidade no tecido económico e social português se o conhecimento mais
avançado, como o promovido pelo Ensino Superior, não se desenvolver
suficientemente para adensar a base de conhecimento de origem nacional. A
existência de importantes fragilidades a este nível é verificável, por exemplo,
e como muito se tem referido, pela fraca absorção de licenciados por parte de
empresas de sectores tradicionais, cujos responsáveis são pouco escolarizados e
que por isso receiam a supremacia de empregados com níveis de qualificação mais
elevados. Bem ao contrário do que as exigências do conhecimento organizacional
e da produtividade aconselhariam[5].
Num
tal contexto, também os reais efeitos de iniciativas em que o Estado tanto tem
vindo a investir, como as Web Summits, se tornam difíceis de aperceber. Por
detrás da enorme operação de marketing, das celebridades que se convidam para
intervirem, dos robots que se querem apresentar como mais humanizados e dos
muitos negócios que se apalavram, qual o contributo efectivo destas cimeiras, a curto e médio
prazos, para a economia e sociedade portuguesas?
É
que, a não conseguir uma boa base de conhecimento nacional, capaz de absorver e
replicar o conhecimento “importado”, a economia torna-se cada vez mais dual, muitos
dos negócios não passam da incubação e a desigualdade social acentua-se…
[1]
Cátia Mateus & Sónia Lourenço. Recém-licenciados
perdem 18% desde a crise financeira. Expresso, edição de 9 de Novembro de
2019, Revista de Economia.
[2] Comissão Europeia (2018). Social and Economic Conditions of Student
Life in Europe 2016-2018. https://www.eurostudent.eu/download_files/documents/EUROSTUDENT_VI_Synopsis_of_Indicators.pdf
[3] Leão
Fernandes, G. & Chagas Lopes, M. (2019). Dropout in the Transition from
Upper Secondary to Higher Education. European Conference of Educational Research (ECER), Universidade de
Hamburgo, Setembro de 2019, https://eera-ecer.de/ecer-programmes/conference/24/contribution/46740/.
[4] Exceptuando-se
as de mais elevado “capital escolar” que continuam a reforçar o padrão de
inércia inter-geracional na detenção do Ensino Superior…
[5] Ver a
este respeito, a informação actualizada e a investigação de Renato Carmo e
outros (2018). Desigualdades Sociais, Portugal e a Europa. ISCTE -Observatório
das Desigualdades e Editora Mundos Sociais.
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