04 dezembro 2018

Políticas de educação e o princípio do conta-gotas


Mas, afinal, o País já não tem défice de diplomados? Será por isso que muitos jovens já não tentam entrar na Universidade? E que, por isso mesmo também, não serão necessárias políticas públicas de apoio aos estudos no Ensino Superior (ES)?

O panorama é bem diferente, na realidade. Com efeito, em 2016, 33,5% era a percentagem da população portuguesa, entre 30 e 34 anos, com o Ensino Superior, contra um correspondente valor de 39,9% na UniãoEuropeia (U.E.) e 40% nos objectivos da Europa 2020 (www.pordata.pt).

No âmbito do III International Meeting of Sociology (ISSOW) organizado pela Associação Portuguesa de Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho (APSIOT), apresentámos uma comunicação na qual reflectíamos sobre este tema[1]. Com base na análise que então realizámos sobre as condições de transição entre o Ensino Secundário (ESec) e o ES, tentamos agora responder às questões que colocámos no início. Comecemos por uma visão de conjunto, revelada pela Figura seguinte, na qual se compara Portugal com a média da União Europeia (U.E.):


Figura 1: Principais indicadores do processo de transição entre o Ensino Secundário e o Ensino Superior, Portugal face à média da U.E., 2017


Fonte: Eurostudent


A Figura anterior é eloquente: em Portugal é bastante maior a percentagem de alunos que paga propinas, que afirma ter de interromper estudos por dificuldades financeiras e que refere ser indispensável ter emprego para poder prosseguir para o ES; e muito inferior a percentagem, face à média da U.E., dos que vivem em residências públicas e que recebem apoio financeiro do Governo[2].

Uma das justificações oficiais para terem entrado menos alunos no ES no corrente ano lectivo socorre-se, quem diria, da teoria do investimento em capital humano, relíquia teórica que o pensamento neoliberal volta a recuperar: os custos de oportunidade do prosseguimento de estudos estariam a aumentar devido ao aumento de oferta de empregos com o 12º ano. Seria mesmo assim?

Decidimos então comparar a evolução das matrículas no ES com a daqueles custos de oportunidade, interpretados pela variação da taxa de desemprego com o 12º ano. Tendo presente o quadro geral descrito pela Figura 1, decidimos comparar também a variação anual das matrículas no ES com a variação idêntica do número de bolsas atribuídas pelo Estado a este grau de ensino.  A Figura 2 descreve tais comportamentos:

Figura 2: Evolução das taxas de variação anual dos números de candidaturas ao ES, das bolsas públicas atribuídas ao ES e da taxa de desemprego com o 12º ano

Fonte: Eurostudent


A Figura 2 revela-nos que, ao contrário da justificação oficial, existe mesmo uma evolução quase simétrica entre a variação anual do número de candidaturas ao ES e a mesma variação na taxa de desemprego com o 12º ano: seria suposto que quando esta taxa diminui – as ofertas de emprego para o 12º aumentam – diminuísse correspondentemente o número de candidaturas, o que não se verifica.

Já a associação entre a variação anual das candidaturas ao ES e a mesma variação na concessão de bolsas públicas ao mesmo grau de ensino parece seguir um padrão esperado numa situação em que pesa tanto o efeito rendimento, ou a falta deste: quando se dá uma queda inter anos no número de bolsas atribuídas, verifica-se uma queda subsequente do número de candidaturas, após um intervalo de um ou dois anos. Por outro lado, uma evolução descendente no número de bolsas conduz a uma evolução igualmente descendente do número de candidaturas mas, neste caso, muito mais ampliada; já a subida no número de bolsas induz um aumento muito menos pronunciado nas candidaturas, parecendo verificar-se uma certa inércia à subida destas últimas.

Constatamos, ainda, que o actual Governo parece revelar alguma indecisão quanto a esta política de bolsas ao ES, o que é tanto mais grave quanto as razões anteriores aconselhariam, pelo contrário, uma grande estabilidade neste tipo de políticas. Mas isso não se verifica, antes o anúncio, a espaços, de medidas de política avulsas e inconsistentes, como o de que irão ser construídas mais residências públicas ou o de que o novo Orçamento do Estado prevê uma diminuição de propinas. Não existe uma estratégia de suporte à transição para o ES, duvida-se mesmo que as tutelas da Educação e do ES cheguem a dialogar sobre estes aspectos. Na ocorrência do problema, remenda-se. A conta-gotas.




[2] EC (2018). Social and Economic Conditions of Student Life in Europe. Eurostudent VI 2016-2018.



[1] Comunicação com o título As Quebras na Transição Ensino Secundário – Ensino Superior - o mercado de trabalho responde por todas as falhas?


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