Mas, afinal, o País já não
tem défice de diplomados? Será por isso que muitos jovens já não tentam entrar
na Universidade? E que, por isso mesmo também, não serão necessárias políticas
públicas de apoio aos estudos no Ensino Superior (ES)?
O panorama é bem diferente,
na realidade. Com efeito, em 2016, 33,5% era a percentagem da população
portuguesa, entre 30 e 34 anos, com o Ensino Superior, contra um correspondente
valor de 39,9% na UniãoEuropeia (U.E.) e 40% nos objectivos da Europa 2020 (www.pordata.pt).
No âmbito do III
International Meeting of Sociology (ISSOW) organizado pela Associação
Portuguesa de Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho (APSIOT),
apresentámos uma comunicação na qual reflectíamos sobre este tema[1]. Com base na análise que
então realizámos sobre as condições de transição entre o Ensino Secundário
(ESec) e o ES, tentamos agora responder às questões que colocámos no início.
Comecemos por uma visão de conjunto, revelada pela Figura seguinte, na qual se
compara Portugal com a média da União Europeia (U.E.):
Figura 1: Principais
indicadores do processo de transição entre o Ensino Secundário e o Ensino
Superior, Portugal face à média da U.E., 2017
Fonte:
Eurostudent
A
Figura anterior é eloquente: em Portugal é bastante maior a percentagem de
alunos que paga propinas, que afirma ter de interromper estudos por
dificuldades financeiras e que refere ser indispensável ter emprego para poder
prosseguir para o ES; e muito inferior a percentagem, face à média da U.E., dos
que vivem em residências públicas e que recebem apoio financeiro do Governo[2].
Uma
das justificações oficiais para terem entrado menos alunos no ES no corrente ano
lectivo socorre-se, quem diria, da teoria do investimento em capital humano,
relíquia teórica que o pensamento neoliberal volta a recuperar: os custos de
oportunidade do prosseguimento de estudos estariam a aumentar devido ao aumento
de oferta de empregos com o 12º ano. Seria mesmo assim?
Decidimos
então comparar a evolução das matrículas no ES com a daqueles custos de
oportunidade, interpretados pela variação da taxa de desemprego com o 12º ano.
Tendo presente o quadro geral descrito pela Figura 1, decidimos comparar também
a variação anual das matrículas no ES com a variação idêntica do número de
bolsas atribuídas pelo Estado a este grau de ensino. A Figura 2 descreve tais comportamentos:
Figura
2: Evolução das taxas de variação anual dos números de candidaturas ao ES, das
bolsas públicas atribuídas ao ES e da taxa de desemprego com o 12º ano
Fonte: Eurostudent
A
Figura 2 revela-nos que, ao contrário da justificação oficial, existe mesmo uma
evolução quase simétrica entre a variação anual do número de candidaturas ao ES
e a mesma variação na taxa de desemprego com o 12º ano: seria suposto que
quando esta taxa diminui – as ofertas de emprego para o 12º aumentam –
diminuísse correspondentemente o número de candidaturas, o que não se verifica.
Já a
associação entre a variação anual das candidaturas ao ES e a mesma variação na
concessão de bolsas públicas ao mesmo grau de ensino parece seguir um padrão
esperado numa situação em que pesa tanto o efeito rendimento, ou a falta deste:
quando se dá uma queda inter anos no número de bolsas atribuídas, verifica-se
uma queda subsequente do número de candidaturas, após um intervalo de um ou
dois anos. Por outro lado, uma evolução descendente no número de bolsas conduz
a uma evolução igualmente descendente do número de candidaturas mas, neste
caso, muito mais ampliada; já a subida no número de bolsas induz um aumento
muito menos pronunciado nas candidaturas, parecendo verificar-se uma certa
inércia à subida destas últimas.
Constatamos,
ainda, que o actual Governo parece revelar alguma indecisão quanto a esta
política de bolsas ao ES, o que é tanto mais grave quanto as razões anteriores
aconselhariam, pelo contrário, uma grande estabilidade neste tipo de políticas.
Mas isso não se verifica, antes o anúncio, a espaços, de medidas de política avulsas
e inconsistentes, como o de que irão ser construídas mais residências públicas
ou o de que o novo Orçamento do Estado prevê uma diminuição de propinas. Não
existe uma estratégia de suporte à transição para o ES, duvida-se mesmo que as
tutelas da Educação e do ES cheguem a dialogar sobre estes aspectos. Na
ocorrência do problema, remenda-se. A conta-gotas.
[1]
Comunicação com o título As Quebras
na Transição Ensino Secundário – Ensino Superior - o mercado de trabalho
responde por todas as falhas?
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