Várias
notícias têm vindo a dar conta de um negócio paralelo que a Rússia está a
desenvolver, mais do que compensando, aparentemente, a factura das sanções
impostas pelo ocidente. Assim, a Federação Russa (FR) está a vender ainda mais
crude e gás à China e à Índia, esta refina o crude e, livres de sanções,
reexportam para o Ocidente o petróleo e o gás aos preços que muito bem
entendem. O efeito das sanções impostas à FR pela invasão da Ucrânia estarão
assim a ser contrabalançadas com vantagem por esta negociata paralela. E se é
um facto que a FR acaba de entrar em default, isso deve-se
essencialmente à trajectória descendente que a economia russa já vinha a sofrer
e que, segundo alguns autores, a está a colocar numa posição crescente de
dependência face à China.
Num
artigo recente, Albrecht Rothacher, do European University Institute, mostra
como aquela dependência se vem desenvolvendo, com a FR a exportar
essencialmente matérias-primas e recursos naturais, além de material de guerra
desactualizado, enquanto a China abastece cada vez mais a FR de produtos
tecnologicamente sofisticados, sobretudo TIC. Mas há mais. A quase totalidade
das infraestruturas de fornecimento de gás e petróleo que atravessam o
Cazaquistão, o Turquemenistão e o Uzbequistão são financiadas pela China, do
mesmo modo que o grosso dos investimentos feitos na Sibéria, através de cujos pipelines
– já existentes e planeados – a China recebe 7% do gás natural que consome. De
tal modo que o Fundo da Nova Rota da Seda e a principal companhia petrolífera
chinesa são já accionistas dos pipelines existentes e dos que já foi
acordado estabelecer na península de Yamal… Os oligarcas russos investem no
estrangeiro, mas a China soube bem “cobrir-lhes a retirada”, a tal ponto que
sendo a FR o segundo maior exportador de energia à China, apenas representa
2,4% do total das importações chinesas. [1]
O
crescimento florescente da economia chinesa presta-se, aliás, a reflexões
curiosas. Considerando o problema da crise alimentar, da inflação e do efeito
conjugado de ambas e da pandemia sobre o agravamento da crise económica dos
“países do Sul”, Branko Milanovic diz que quem poderia ajudar, com vantagem,
seria a China… Graças a uma série de anos de excedentes comerciais com os EUA,
o governo chinês possui mais de um trilião de dólares em títulos do Tesouro
americano, cujo retorno tem sido mínimo. Investir toda esta liquidez
internamente geraria uma inflação incontrolável, a capacidade de absorção e de
remuneração do investimento na presente fase da Rota da Seda são relativamente
menos interessantes e a FR continuará, em princípio, a assegurar a defesa de
grande parte dos troços da Rota.
Então,
reflecte Milanovic[2],
em vez de ter todo este montante imobilizado, não seria preferível para a China
usar uma percentagem do mesmo para conceder empréstimos não condicionados aos
países mais pobres em dificuldades? Poderia conceder-lhes empréstimos a médio
prazo e com taxas de juro relativamente mais baixas do que as implícitas nos
empréstimos condicionados do FMI ou do Banco Mundial… A vantagem económica para
os “países do Sul” em dificuldade está à vista. Mas o ganho político para a
China não seria de modo algum desinteressante…
[1]
Rothacher, A. (2022). Russia’s quasi-colonial dependence on China. The Loop,
ECPR’s Political Science Blog, https://theloop.ecpr.eu/russias-quasi-colonial-dependence-on-china/
[2]
Milanovic, B. (2022). China to the Rescue? Social Europe, 27 de Junho de
2022, https://socialeurope.eu/china-to-the-rescue.
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