03 julho 2016

No rescaldo do referendo britânico



Ainda sob o efeito da surpresa que, para muitos, constituiu o resultado do referendo no Reino Unido, multiplicam-se as opiniões mais ou menos informadas e por vezes divergentes acerca dos seus possíveis impactos económicos e financeiros a curto e a longo prazo.

Não menos importante é a possibilidade do “Brexit” ser o início de um processo europeu de desconstrução, facilmente acelerado pelo sentimento de desencanto que é perceptível em numerosos estratos da população atingida pela crise.

O espectáculo, nada edificante, da luta pelo poder entre os que defendem o aprofundamento da União Europeia e o bloco de países que a tal se opõem, adeptos de um conceito de Europa como um conjunto de estados nação, só pode reforçar a probabilidade de desagregação, a prazo, da União.

Entretanto, a política económica da zona euro continua a manifestar incapacidade para enfrentar a crise com soluções sistémicas, teimando em olhar os problemas país a país e persistindo na exigência de cumprimento de remédios errados, como as regras do Pacto Orçamental. É bem sabido que os excedentes orçamentais primários que seriam necessários para o cumprir são impossíveis de alcançar, mas tal não parece suficiente para quebrar o tabu do financiamento monetário da dívida…até que a situação económica e social atinja, em alguns casos, o extremo da degradação.

Não se ignora que as medidas que urge tomar para equilibrar a zona euro e assegurar a sua viabilidade futura implicam um grau superior de integração política - o que parece cada vez mais difícil de promover.

É, em parte, por este motivo que quem as apresenta se auto limita de tal forma que a probabilidade de serem eficazes é diminuta.

Um exemplo recente encontra-se na iniciativa de um grupo de mais de 20 economistas (Resiliency Authors) que publicou as suas propostas sob o título “Making the Eurozone more resiliente: What is needed now and what can wait?”[1]).

Desde logo, os autores manifestam a sua confiança em que,” se tudo correr como previsto, a prosperidade económica será restaurada, o desemprego diminuirá e os países da periferia recuperam a competitividade”.

Mas a interrogação que colocam é a de saber se há capacidade de resiliência face a choques adversos que é provável ocorrerem nos próximos meses.

Como o aprofundar da integração política é extremamente difícil com o actual clima político, limitam-se a ”identificar o que deve ser feito em breve e o que seria bom fazer mas, provavelmente, pode esperar”.

É assim que, sobre os bancos e o sistema financeiro, muito embora reconheçam a necessidade de um esquema de seguro de depósitos para a zona euro e que a responsabilidade pela resolução dos bancos passe dos governos nacionais para o nível europeu, a sua proposta é limitada a que as regras já existentes sejam aplicadas.

A mesma timidez contamina a forma como é abordada a questão das finanças públicas e a reestruturação das dívidas públicas, muito embora não deixem de referir, como desejáveis, outras medidas, tais como os euro bonds e esquemas de transferências orçamentais para países sujeitos a choques adversos.

Num sucinto mas esclarecedor texto, Paul Krugman[2] considera que os autores do documento citado fazem demasiadas cedências aos “homens práticos”, enquanto o que seria necessário, a bem da Europa, era uma boa dose de utopia.

De facto, se queremos que o “Brexit” não seja o início do desmantelar europeu, mas antes um desafio a que é urgente dar resposta para voltar a acreditar nos valores da EU, como dispensar o “utopian frenzy” no desenho das reformas necessárias?  


[1] Richard Baldwin, Charlie Bean, Thorsten Beck, Agnès Bénassy-Quéré, Olivier Blanchard, Peter Bofinger, Paul De Grauwe, Wouter den Haan, Barry Eichengreen, Lars Feld, Marcel Fratzscher, Francesco Giavazzi, Pierre-Olivier Gourinchas, Daniel Gros, Patrick Honohan, Sebnem Kalemli-Ozcan, Tommaso Monacelli, Elias Papaioannou, Paolo Pesenti, Christopher Pissarides, Guido Tabellini, Beatrice Weder di Mauro, Guntram Wolf, and Charles Wyplosz.

[2] Against Eurotimidity Paul Krugman - The Conscience of a Liberal (Blog) - June 26, 2016

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