08 dezembro 2011

Chegou o Inverno e os Srs. Marqueses insistem em manter janelas e portas abertas

Disseram-lhes que, mesmo no Inverno, deveriam manter as portas e janelas escancaradas, porque isso trazia ar fresco, limpava os pulmões e dava energia revigorada. Argumentaram que a “livre circulação” era uma virtude.

Os Srs. Marqueses acreditaram no que lhes tinha sido dito e deram instruções aos seus familiares e subordinados para manterem a livre circulação. A recomendação apresentava-se como credível porque, dizia-se, estava fundamentada em investigações científicas aprofundadas, realizadas na Universidade de Chicago (Escola de Chicago) por um cientista de nome Milton Friedman e pelos seus “rapazes”.

No palácio, nem toda a gente quis cumprir, de ânimo leve, estas recomendações, mas com mais ameaça, ou menos ameaça todos se renderam às instruções da Sr.ª Marquesa (Ângela) e do Sr. Marquês (Nicolau). Aliás, a Marquesa era a maior defensora das novas teorias; o marquês limitava-se a seguir-lhe os passos.

Sabia-se que algumas das pessoas que viviam no palácio, eram mais frágeis e se poderiam vir a constipar com as correntes de ar frio, com mais facilidade que outras, mas isso não era considerado problema demasiado sério. É certo que os que poderiam apanhar gripe iriam passar um mau bocado mas, mesmo assim, valia a pena correr o risco porque, no fim, todos lucrariam com os bons ares que continuamente limpavam o palácio de todos os maus vírus.

A grande surpresa estaria para vir. É que, a percentagem das pessoas infectadas pelo vírus veio a revelar-se muito mais elevada do que o que era inicialmente previsto. E rapidamente se transmitiu a quase toda a gente. O efeito de contágio estava a gerar uma epidemia.

Em certa altura, apesar de todas as vitaminas que tinham tomado, até os marqueses começaram a ter dores de cabeça, mas insistiam que as suas causas não estavam na livre circulação mas, antes, nos desmandos da criadagem que nas férias de Verão se tinham fartado de passear e gastar dinheiro e, agora, não tinham dinheiro para comprar os agasalhos necessários. Os marqueses viram-se obrigados a adiantar dinheiro para os agasalhos, mas a epidemia grassava cada vez com mais intensidade. Que fazer, então?

Gerou-se grande discussão, mas os marqueses insistiam na sua de manter portas e janelas abertas. Houve quem se começasse a pôr a questão de saber porque é que a livre circulação trazia consequências que não tinham sido previstos pela Escola de Chicago e pelos seus animadores?

Desde há muito era do senso comum que o ano se desenvolvia segundo um ciclo de estações (Primavera, Verão, Outono e Inverno) e que durante cada uma das estações havia comportamentos diversificados, de modo a que cada um pudesse dai retirar os maiores benefícios. Por isso, não fazia muito sentido que no Inverno se semeassem os cereais, se andasse a comer cerejas e se mantivessem as portas e janelas abertas. Daí não viriam, certamente, bons resultados. Isto é, as várias fases do ciclo económico não podem ser tratadas, todas, com as mesmas políticas.

Creio que já terão compreendido que a alegoria que acaba de ser descrita é como que a de um pequeno presépio da situação económico-financeira que hoje se verifica na Euro Zona. Nos próximos dias vai-se realizar uma Cimeira para a qual é anunciada a tomada de decisões importantes que poderão implicar a revisão dos Tratados.

Bem precisam os Tratados de ser revistos, mas não é, certamente, no sentido de que se vem falando, ou seja o de impedir que a criadagem seja “libertina” durante o Verão, obrigando-a a que no código de conduta de cada um fique inscrito o compromisso de renúncia à libertinagem.

Com efeito, nunca a vida no palácio passará a ser robusta e salutar se ela não tiver como fundamento os princípios da vida em comunidade, em que todos sabem que precisam de todos e em que, as decisões que vierem a ser tomadas, o têm que ser, no pressuposto de que, com mais ou menos tempo, o que hoje é mau para uns o será mais tarde, também, para os restantes.

Daí que se deva irradiar do clima das discussões a ideia de que para que os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) se salvem será necessário que países como a Alemanha façam sacrifícios. Em primeiro lugar, porque está longe de ser verdade que esses sacrifícios existam; em segundo, porque mesmo que existissem eles não poderiam deixar de ser encarados como investimento, cujos frutos serão colhidos no futuro.

Chegados aqui, a pergunta é: mas então o que é que se propõe ou deveria ser proposto para que o futuro da Europa se tornasse sustentável? São essas as propostas que deveriam fornecer a substância da revisão dos Tratados.

Este post já não contem espaço que permita que se avance na reflexão sobre essas propostas. Fá-lo-ei num próximo.

2 comentários:

  1. Agora que já conhecemos as decisões desta Europa e continuamos a sentir que está vai mal e continua a evoluir na doença sem a combater eficazmente. O que nos resta é que as dificuldades se transformem em novas propostas, e por aí se reabra o caminho para uma Europa mais social e equilibrada e unida Sem isso não haverá sustentabilidade nem interesses convergentes fundamentais e então poderá-se cair em grandes convulsões e tomultos de desespero que ainda podemos evitar.

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  2. Tem toda a razão o João Lourenço. Já se tornou claro que os partidários do "não há alternativa" (vide acima post da Manuela Silva) pretendem, apenas, que baixemos os braços e nos deixemos envolver pelo passo da procissão que está no adro.
    Certamente que, assim, não haverá alternativas, mas nós já cá andamos há muito tempo para nos deixarmos arrastar para essa procissão.

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