O recentemente entronizado rei holandês acaba de se fazer
porta-voz dos interesses económicos mais bem instalados, intra e extra muros, e
anunciar o fim do Estado Social em nome da Sociedade Participativa…
Ora, uma “sociedade participativa” – seja isso o que for… –
deverá supor a “participação” ampla da população nas condições de acesso à
educação e ao trabalho, à repartição do rendimento, aos resultados da
produção, à fruição do lazer e dos bens culturais…
Mesmo a Holanda, uma das economias mais ricas da União
Europeia, não tem conseguido escapar à crise atual. Em recessão técnica desde
2012, com uma dívida pública elevada, a economia holandesa prevê uma recuperação moderada para 2014, ainda
assim insuficiente para evitar o aumento do desemprego. Está previsto que
aumente também o “jobs gap”, ou seja, a diferença existente entre o emprego
potencial e o emprego corrente, contribuindo para o reforço do desemprego
estrutural. Com o aumento deste, agrava-se o peso da população persistentemente
excluída do mercado de trabalho e, portanto, do acesso ao rendimento primário (OECD
EO 2013). Para já não falar no fato de a Holanda ser, também, um dos
países europeus com maior percentagem de emprego a tempo parcial, sobretudo
entre as mulheres, com grande benefício para a igualdade de oportunidades entre
géneros no que respeita ao acesso à educação e à partilha de tarefas e
responsabilidades familiares. Ora só a força do Estado Social tem permitido
manter até agora esta situação.
Embora recuperando da tendência dos últimos dois anos,
também se prevê que o consumo privado e o investimento se manterão em
desaceleração, tendendo a variação da procura interna a estagnar em 2014. Para
além do esperado bom comportamento das exportações, a outra grande fonte de
crescimento económico reside no “dumping fiscal”, com o qual se pretende
continuar a atrair capital de empresas estrangeiras através de um sistema muito
próximo dos paraísos fiscais (OECD Ec O
2013). Bem conhecemos os reflexos desta situação, já que dezassete das empresas
portuguesas que compõem o PSI-20 /19 dele têm beneficiado. A existência desta
exceção no contexto da normalizadora União Europeia é assunto que importaria aprofundar
e discutir, embora não no âmbito deste “post”.
Também na sociedade holandesa, tida até há pouco como uma
das mais representativas do igualitarismo na repartição do rendimento, se
constata agora que o índice de Gini, relativo ao rendimento global, tem vindo a
subir desde 2007. E se o correspondente índice para o rendimento disponível das
famílias se mantem estável e próximo de zero, isso deve-se, em grande medida, aos
efeitos do Estado Social, agora condenado a desaparecer, e às habitualmente
confortáveis transferências que tem vindo a fazer para as famílias. Entretanto, cerca de 15.7% das pessoas
estavam, em 2011, em risco de exclusão social, próximo de 11 % em risco de
pobreza monetária e 6.6% sofrendo de privação material (EUROSTAT 2013).
No entanto, dentro da União Europeia, a Holanda é uma das poucas
economias – juntamente com a Áustria, Finlândia e Alemanha - em que o
ajustamento salarial no pós crise se tem vindo a fazer abertamente pela
positiva, prevendo-se o reforço desta tendência para 2014. Sucede isto em total
oposição com o que se verifica em muitas outras economias europeias, de entre
as quais se destaca a portuguesa. Também na Holanda são elevados e crescentes –
apesar da crise – os gastos públicos com a educação em percentagem do Produto
Interno Bruto e onde cerca de 80% dos estudantes recebe bolsa do Estado, mesmo
sendo as propinas do Ensino Superior holandês bastante moderadas no contexto
europeu...
Que se pretende concluir?
Por um lado, que, apesar do Estado Social, também na Holanda
há população excluída e em risco de exclusão, se assiste ao reforço do
desemprego e a um aumento da desigualdade. Com a proposta da sua eliminação, os
“participantes” tenderão a ser progressivamente menos numerosos; e o turvo conceito
de “sociedade participativa” começa a clarificar, identificando-se agora nitidamente
com o de “sociedade para alguns”.
Por outro lado, e se “a moda pega”? Nada de estranhar, a
onda neoliberal reforça-se pela expansão e pelo contágio, como temos assistido.
E mesmo pequenos países, como Portugal, se têm vindo a apressar, por mão e
prática dos seus governantes, a alistarem-se como fiéis adeptos da diminuição
do Estado Social, bem o temos vindo a sofrer. A questão, o grande problema
social, é que os indicadores económicos e sociais de países como o nosso em
nada se podem comparar com os holandeses, mesmo em período de funcionamento
regular do Estado Social. O desfecho será, nestes casos, a reconversão
acelerada em “sociedade dualista”, servida por uma cada vez mais concentrada “economia
de clã”.
Margarida Chagas Lopes
EUROSTAT, Base de Dados (2013) (http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/statistics/themes);
OECD,
Economic Outlook 2013 (http://www.ey.com/GL/en/Services/Transactions/Capital-Confidence-Barometer-april-2013---October-2013---Economic-outlook);
OECD,
Employment Outlook 2013 (http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/employment/oecd-employment-outlook-2013_empl_outlook-2013-en#page64).