12 abril 2017

A dívida que nos vem com a RTP3

 
Não fossem as tropelias recentes dos que se julgam donos de todo o mundo, entrando em todas as portas sem pedir licença, e o problema da dívida dos portugueses continuaria a ser-nos apresentado, em particular pelos media, como uma das questões que mais deveriam preocupar os portugueses. Descontados estes humores mediáticos, não será bom, evidentemente, atirar com a dívida para trás das costas.
Foi, por isso, muito bem-vinda a iniciativa que a RTP3, conjuntamente com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, nos trouxe no passado dia 5, para discutir a dívida (ver aqui). Já assistimos a muitos debates sobre esta temática, mas pode dizer-se que cada vez mais se vem dizendo mais do mesmo. Nesta iniciativa houve alguma inovação, pela temática e pelo formato.
A temática e o formato
Pela temática porque, fora de alguns círculos restritos, sempre tem sido entendido que a discussão da dívida é, no essencial, a discussão da dívida pública. Que me recorde, esta foi a primeira vez que, com um âmbito alargado, se veio dizer que o verdadeiro problema não é o da dívida pública, mas o da dívida portuguesa, de que a dívida pública constitui, sem dúvida, uma componente relevante, mas não exclusiva. Isto não quer dizer que esse fosse o ponto de vista partilhado, sempre, por todos os intervenientes do debate.
Quanto ao formato, para além dos participantes da plateia, tivemos a presença de um moderador e três especialistas, com a peculiaridade de, contrariamente ao que é habitual, um dos intervenientes ter sido colocado numa poltrona suficientemente afastado das dois restantes. Certamente que se quis atribuir algum significado a esta cenarização, mas eu não consegui identificar qual tenha sido.
A relevância do circuito económico
Mas vamos a alguns aspetos da substância. O primeiro, que julgo dever ser de relevar, foi o de se ter trazido para o âmago da discussão, embora nem sempre de forma explícita, um dos instrumentos básicos da análise dos economistas, o designado “circuito económico”, que qualquer aluno de economia aprende a identificar nas primeiras aulas do 1º ano do curso.  Foi muito a propósito recordado que o circuito económico, tão útil na análise de outros problemas económicos, também o é para o problema da dívida.
Os elementos estruturantes do circuito são as famílias, as empresas e o Estado (simplificamos admitindo que não existem relações externas). Quando nele introduzimos o problema da dívida, o que poderemos dizer é que a dívida de qualquer um destes elementos tem efeitos sobre a dívida dos restantes. Por ex., a dívida pública é condicionada pelo comportamento do Estado, das empresas e das famílias. O que o circuito não nos diz, só por si, é qual é, em cada circunstância, o sentido das interdependências e o seu peso.
A análise e a ideologia
Algo pode ser dito sobre isto, em termos analíticos, mas em geral o que é mais importante tem natureza ideológica. Isto é, por ex., pode dizer-se que a dívida pública é uma consequência do comportamento de todos os agentes da economia ou que, pelo contrário, é o comportamento do Estado que vai ter efeitos nefastos sobre o comportamento dos outros agentes. Alternativamente, pode ainda dizer-se que ambos os efeitos podem ser identificados, mas então é necessário explicitar, em cada circunstância, qual é o peso de cada um dos efeitos. De sublinhar, ainda, as posições dos que se apresentam invocando autoridade analítica, mas que, de fato, lhe acrescentam uns pozinhos da ideologia que informa o seu subconsciente.
A interdependência do comportamento dos agentes
Sublinhou-se, e bem, a relevância das várias componentes da dívida: as empresas, com 40%, o Estado com 36% e as famílias com 24% (num total de 354,6% do PIB). Ficou claro que:
1.      A dívida do Estado era condicionada pelo comportamento da economia, isto é, pelo comportamento dos restantes agentes; se a economia se encontra em expansão, sobem as receitas do Estado e este pode aumentar a sua intervenção económica e social e inversamente;
2.      O comportamento dos agentes, empresas e famílias, também tenderá a ser mais ou menos otimista, consoante os impulsos e incentivos que recebe do Estado.
A questão que se deve colocar como decisiva é a de saber qual deve ser o comportamento mais ajustado, de cada um dos agentes, em cada uma das conjunturas. Vejamos, por ex., o Estado. Suponhamos uma situação de expansão da economia. Há quem diga que, neste caso, o Estado, recebendo mais receitas, deverá poder utilizá-las para aumentar as suas intervenções a nível social e a nível económico. Acrescentam outros que será prudente que o Estado utilize uma parte das receitas adicionais para constituir um fundo de reserva que lhe permita intervir na animação da economia, quando ela se encontrar mais debilitada. A intensidade de cada um dos comportamentos não nos pode ser fornecida apenas pela teoria económica. É, em muito, determinada pelas conceções ideológicas de cada um dos agentes.
E se a conjuntura for de recessão, o que deverá fazer o Estado? Têm sido sublinhadas duas posições. A primeira, decorre da sabedoria popular que nos diz que quem não tem dinheiro não tem vícios, o que significa que quando diminuem as receitas do Estado este deve retirar-se das suas funções de intervenção económica e social. O verdadeiro problema passa a ser o Estado se este continuar a ter um comportamento que, em tais circunstâncias, só pode ser considerado despesista. O Estado com as suas despesas e com o aumento da dívida é o principal obstáculo à recuperação. O Estado não tem economia que suporte a dimensão que possui.
A segunda, parte do pressuposto de que o Estado tem funções de regulação a nível económico e social. Quer isto dizer que se o clima é depressivo o Estado deve intervir, criando incentivos financeiros ou outros que ajudem a carruagem a arrancar, de modo a que se obtenha um clima de expectativas positivas.
Qual das duas posturas é mais adequada? Um juízo sobre esta questão depende da conceção (ideológica) que se tiver quanto ao papel do Estado na sociedade: concorrente ou complementar das atividades desenvolvidas pelos outros agentes.
Todo o debate havido mereceria reflexão adicional, mas não permitindo o espaço disponível que tal aconteça, remeto o leitor para o vídeo de debate.
 

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