29 novembro 2014

Os rankings das escolas portuguesas: o que há ainda a dizer



Cá estamos, uma vez mais, perante os rankings das escolas portuguesas. 

Muito já tem sido dito a respeito deste pretenso indicador de qualidade comparada, as críticas mais ou menos bem fundadas também não têm faltado e são sobejamente conhecidas. Porquê voltar, então, a este assunto?

Por várias razões. Em primeiro lugar, para salientar que alguns dos principais motivos de crítica já foram entretanto corrigidos[1]. Os rankings que agora se nos apresentam já levam em consideração o contexto económico e social no processo de ordenação, embora o façam ainda de forma bastante mitigada, em nossa opinião. Por outro lado, também se aborda agora abertamente o problema da instabilidade dos docentes no ensino público, reconhecendo-se aqui uma importante razão de insucesso que aquela hierarquização não leva em conta. Critica-se ainda o facto de as classificações se fazerem ao nível dos agrupamentos e não das escolas consideradas individualmente, sabendo nós como é grande a heterogeneidade neste domínio. 

A quase exclusiva dependência dos rankings face aos resultados obtidos nos exames nacionais constitui outro aspecto que, embora objecto de controvérsia, poderia ser ainda mais aprofundado. É certo que a “concorrência pelas notas”, nesta fase de competição exacerbada, tem levado a práticas de distorção significativa das avaliações e à “inflação” dos resultados. Assim, as notas obtidas nos exames nacionais, iguais para todos/as, constituiriam uma prova isenta… se os/as avaliados/as e os processos de aprendizagem com que se deparam fossem todos iguais. E não são. Mas deve reflectir-se ainda sobre um outro ponto, o da soberania dos exames finais, tidos como a forma de avaliação por excelência, o que leva a negligenciar-se o processo dinâmico de aquisição de saberes e comportamentos ao longo do ano lectivo, a que a chamada avaliação contínua deveria ser capaz, ela sim, de avaliar. 

Como se referiu atrás, a forma de consideração do contexto económico e social dos/as alunos/as que integram os rankings merece, em nossa opinião, uma reflexão muito mais criteriosa. Os dois indicadores utilizados para a delimitação do contexto são o nível de escolaridade dos pais e das mães dos/as alunos/as e a classificação destes/as nos três níveis da Acção Social Escolar. Não discutindo aqui a importância de outros parâmetros por enquanto ausentes, como os que caracterizassem o nível e estrutura dos rendimentos familiares, da maior relevância numa crise desta dimensão, detenhamo-nos no parâmetro escolaridade dos pais. 

Várias análises, sobretudo com origem na OCDE[2], têm vindo a mostrar que Portugal, como a Turquia, constituem quase sempre os dois países com maior inércia educacional entre gerações. Ou seja, aqueles onde é maior a probabilidade de os/as universitários/as terem tido pais e/ou mães universitários/as e, simetricamente, de a população jovem com menor escolaridade ter provindo também de famílias muito pouco escolarizadas. Este elevado grau de inércia significa que, em Portugal, a escola tem contribuído muito modestamente para a mobilidade social entre gerações, o que o seguinte excerto traduz:

… in Portugal, children of parents with low levels of education are unlikely to attain a higher level of education than their parents. Some 60% of young people from families with low levels of education have not completed upper secondary education, and fewer than 20% of those young people have enrolled in tertiary education (…). However, both Portugal and Turkey record the greatest likelihood that young adults from highly educated families will continue into higher education. (in: OECD Indicators 2012, Education at a Glance – Country Notes: Portugal, p. 5, http://www.oecd.org/portugal/CN%20-%20Portugal.pdf )

Este excerto e a realidade que ele caracteriza referem-se a 2009. Por razões que desconhecemos, embora aquela publicação anual continue a analisar a maioria dos países relativamente a este aspecto, a informação sobre Portugal foi descontinuada desde então. 

Ora, com o agravamento da situação financeira de grande parte das famílias portuguesas, muitos/as jovens que anteriormente frequentavam o ensino privado têm vindo a abandoná-lo,  em número muito significativo, a favor da escola pública. Este movimento contribui para o reforço da dualização no sistema de ensino, com as crianças e jovens com maiores dificuldades económicas e sociais - frequentemente, embora não necessariamente, filhos e filhas de famílias menos escolarizadas – a reforçarem a textura da escola pública, ela também cada vez mais esmagada pelos cortes orçamentais. Enquanto nas escolas e colégios privados se concentra uma minoria, cada vez mais reduzida, de estudantes com possibilidade de aceder a prolongamento de estudos, formações complementares, professores estáveis e, em diversos domínios, até apoio financeiro do Estado… 

Assim, os rankings comparam cada vez mais o que não é comparável. Nestas condições, não é legítimo afirmar-se a superioridade da escola privada em relação à pública, como (deliberadamente) se quer fazer impor. 

Mas consideremos de novo a questão da inércia escolar intergerações: será que a “política” educativa mais adequada ao desenvolvimento da mobilidade social entre gerações - factor crítico numa sociedade, como a nossa, de nível médio de escolarização tão baixo – passa pela atribuição de prémios, créditos e financiamento público ao segmento à partida já mais favorecido?


Margarida Chagas Lopes
29 de Novembro de 2014




[1] Para um maior conhecimento das metodologias adoptadas na ultrapassagem das limitações anteriores sugiro a leitura dos artigos de J. Azevedo, na edição do Público de 29/11/2014, suplemento Ranking das Escolas.
[2] Ver algumas edições anuais de Education at a Glance, da OCDE, consultáveis em http://www.oecd.org/eag  

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