24 janeiro 2014

Desigualdades na distribuição de riqueza:
a apropriação abusiva de uma “herança comum"

De há muito se vem constatando uma crescente concentração da riqueza num número reduzido de pessoas, com permanentes chamadas de atenção para o que tal representa de errado, não só no plano ético como pelo  impacto negativo  sobre o crescimento económico, a coesão e a paz social.

As políticas neoliberais seguidas após a década de 70, com a desregulação dos mercados que promoveram, foram responsáveis por uma estagnação, ou mesmo, o  retrocesso, dos salários reais, enquanto uma minoria, sobretudo a  ligada  ao mundo financeiro, se tornou cada vez mais rica.

Paul Krugman, em artigo publicado no a 10 de Janeiro no Jornal the New York Times - The Undeserving Rich - qualifica  os americanos que estão no grupo dos mais ricos como não merecedores da riqueza de que se apropriaram, enquanto que à grande maioria as mesmas oportunidades de ascender economicamente e na escala social não são oferecidas.

As mesmas considerações são válidas para outros países, desde os mais afluentes aos mais pobres, pois está provado que a desigualdade não é uma fatalidade mas o resultado de opções políticas.

A crise e as medidas  de austeridade apenas  vieram agravar aquela evolução, parecendo agora que o debate sobre as causas e as consequências das desigualdades já entrou na agenda dos mais poderosos do mundo económico e dos responsáveis políticos a nível mundial: em Davos, o economista chefe do FMI reconheceu, a propósito da mensagem que o Papa aí enviou, que o crescimento das desigualdades é uma questão central, não decorre da crise, e deve constituir uma preocupação prioritária e será objecto de discussão nos próximos 5 a 10 anos.

A recente divulgação dos relatórios da Oxfam onde se lê que  são 85 pessoas os detentores de cerca de metade da riqueza mundial, ou seja, 1,6 milhões de milhões de dólares, (cabem num grande autocarro!), provoca  a sensação de que se vive num mundo irreal e a certeza de que muito há a debater para além das formas capazes  de promover maior crescimento económico.

A doença do capitalismo é tão grave e perigosa que se torna vital repensar o modelo vigente.

Uma das reflexões mais interessantes e desafiadoras que conheço acerca desta questão encontrei-a  num livro de dois investigadores, Gar Alperovitz e Lew Daly, com o sugestivo título” Unjust Deserts” e o subtítulo “How the rich are taking our common inheritance”, publicado em 2008, o qual, entretando, foi  já traduzido para português.

De uma forma muito resumida, a ideia central dos autores citados, é que, numa Economia do Conhecimento, o que se deve à contribuição actual das empresas e das pessoas é apenas uma pequena parte do que lhes é posto à disposição, como resultado de contribuições passadas, e que são determinantes do potencial de desenvolvimento da sociedade no seu conjunto.

Reconhecer a magnitude dessa oferta do passado e que, para além disso, esta constitui uma ”herança comum“, torna legítimo que a  sociedade, no seu conjunto, reclame uma maior parte dos lucros gerados pelos progressos actuais baseados no conhecimento, assim como permite defender que nenhum grupo privilegiado tem o direito de se apropriar da parte de leão desses lucros, enquanto outros são deles excluidos.

Assim, por exemplo, na criação do computador Apple, se é consensual que os ganhos não sejam atribuidos apenas ao designer do sistema, mas a toda a equipa que o produz, o que falta estabelecer é até que ponto a própria empresa - Apple Incorporated - tem direito moral  à totalidade dos lucros gerados pelas vendas dos computadores, ignorando o que deve a um conjunto de circunstâncias  e competências  acumuladas no passado.

Quem pode prever se, com base no aprofundamento desta ideia do direito à partilha da “herança comum”, passará a ser mais determinado o combate à praga do mundo actual que são as gritantes desigualdades e a apropriação ilegítima das frutos do desenvolvimento por um grupo restrito?

Isabel Roque de Oliveira

2 comentários:

  1. Esta ideia de "herança comum" é muito interessante. Obrigado pela dica. O título é luminoso. E, concluo que afinal sempre há "des[s]erts" que são grátis... mas só para uns poucos. À atenção pois, do ilustre economista JCN

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  2. Qual a distribuição mundial da areia??

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