A primeira
daquelas interrogações corresponde ao título de um artigo publicado no Diário
de Notícias de 9 de Setembro último, no qual se analisavam as principais razões
dos menores fluxos de entrada de candidatos na Universidade portuguesa.[1]
A discussão aí desenvolvida alinhava razões atribuíveis a um mercado de
trabalho entretanto mais aberto e atractivo para os diplomados do Ensino
Secundário (E Sec.), com opiniões indignadas quanto aos baixos salários que os
jovens licenciados vêm ser-lhes atribuídos, para não referir também a
precariedade a que estão sujeitos, apesar de a taxa de desemprego continuar a
ser-lhes favorável. Argumentos, portanto, de raíz quase exclusivamente laboral.
Mas
o processo de transição entre os Ensinos Secundário e Superior (E Sup.) é muito
mais complexo e envolve outras dimensões que convém considerar, já que está a
ser ameaçada a igualdade de oportunidades de acesso ao segundo daqueles níveis
de ensino. A consideração dessas outras dimensões encontra-se entretanto mais
facilitada devido a um conjunto de estudos que vieram recentemente a público.
Através
do estudo de Março de 2018 Transições entre o Secundário e o Superior –
série temporal , a Direcção Geral de Estatísticas da Educação e da
Ciência (DGEEC) revela-nos que um número considerável de diplomados pelo E Sec.
não prossegue para estudos superiores ou não o faz senão após um certo
intervalo de tempo – o indicador de referência é “percentagem de alunos que
tendo concluído o E.Sec há um ano não foram encontrados a estudar”. Confirmando
resultados anteriores, são os mais jovens, os que provêm de famílias com níveis
médios de escolaridade mais elevados, os nacionais e as raparigas – estas a
diminuírem entretanto a sua vantagem relativa – quem mais transita para a
Universidade ou o faz de forma imediata. Estão também neste caso os jovens que
concluíram o 12º ano na modalidade Científico-Humanística[2],
em oposição aos diplomados pelo E. Sec Profissional ou Tecnológico.
Qual
a ou as razão(ões) de ser destes menores e mais tardios fluxos de transição?
Consultando,
por sua vez, o Eurostudent, cuja
última edição foi publicada pela Comissão Europeia em Março último, ficamos a
perceber melhor tais razões. Aí se constata que o nosso país constitui, com
efeito, um dos EEMM da U.E. onde é mais alargado o intervalo médio de tempo de
transição entre o E. Sec. e o E. Sup. E também que Portugal é o segundo
daqueles países onde mais se apontam as dificuldades financeiras como razão
para a interrupção de estudos superiores e um daqueles em que mais pesa a
afirmação de que, sem um emprego, não haveria possibilidade de ter prosseguido
para o E. Sup., mesmo entre aqueles estudantes que afirmam depender
maioritariamente do orçamento da família. Observa-se também que o País se situa
muito acima da média comunitária relativamente ao peso corrigido das propinas e
que, após a Alemanha, é o segundo país onde menos estudantes vivem em
residências universitárias. Talvez por isso mesmo, cerca de 15% dos estudantes
portugueses do E. Sup afirmem não desenvolver um sentido de pertença
relativamente às comunidades universitárias, bem como se encontram bastante
abaixo da média da U.E. quanto ao grau de satisfação com aspectos relativos
àquele grau de ensino.
Ora
estes dois últimos indicadores prendem-se com razões de natureza não
estritamente económica, mas antes psicológica e motivacional, podendo embora as
limitações de recursos estar na base da desmotivação relativa. Como o poderão
estar também – e decerto estão – factores que remetem para o sucesso relativo
em níveis de escolaridade anteriores. A emigração de largas dezenas de milhares
de jovens portugueses após a licenciatura não deixará de contribuir igualmente
para aquele grau de desmotivação, como aliás o reconhece um Parecer
relativamente recente do Conselho Nacional de Educação[3].
Os principais autores de referência, alinhando essencialmente por teorias como
as da capacitação, de que A. Sen foi percursor, do efeito da inteligência
emocional e da percepção da auto-eficácia, vêm de há muito contribuindo para
alargar a explicação estritamente económica da transição entre os E. Sec. e E.
Sup, mas não se justifica desenvolver mais tais aspectos neste post.
Oportuno
parece-nos ser indagar junto dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior
se entendem nada ter a dizer a este respeito:
-
Não será preocupante que, face ao número de novos alunos entrados em todos os
ciclos e modalidades de E. Sup, e dada a recuperação total da taxa de conclusão
verificada em 2015 face a 2008, a mesma tenha voltado a baixar desde então – 12
pp. entre 2015 e 2017 (www.pordata.pt) ?
-
Como se tem acautelado a situação dos jovens portugueses diplomados com o E.
Sec. que não trabalham nem estudam (NEET)? Segundo a base de dados do EUROSTAT,
a percentagem de portugueses dos 20 aos 24 anos naquelas circunstâncias, em
2017, era de 6,5%, apenas um pouco abaixo da média da EU (7,6%) e muito longe
ainda de recuperar os níveis atingidos no País antes da crise (3,0% em 2008, http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do
).
-
Sabendo que a necessidade de se deslocarem para fora das suas áreas de
residência habitual pesa significativamente nos orçamentos familiares com
alunos no E. Sup, especialmente em termos de alojamento e transportes,
considera o Governo que o esforço de investimento em residências e cantinas
universitárias tem sido o suficiente?
-
Como se explica que o investimento na Rede de Bibliotecas Escolares, em forte
queda desde 2010, se tenha mantido sempre ao mesmo nível entre 2014 e 2017 (www.pordata.pt) ?
Em
suma,
-
Por que razão a execução orçamental com Educação, em percentagem do PIB, tem
vindo a diminuir sempre desde 2014 (www.pordata.pt)
?
A
resposta a tais perguntas parece-nos ser da maior importância. É que mesmo que
se conclua que a Universidade vale a pena, não está de forma alguma garantida a
igualdade de oportunidades no acesso ao Ensino Superior.
[2] Embora
os diplomados pelo Ensino Artístico e, especialmente, os de Línguas e
Humanidades, sejam dentro desta modalidade os que menos transitam ou que o
fazem no ano escolar imediatamente a seguir.
[3] Parecer
CNE, nº 3 2017.
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