06 outubro 2018

“A Universidade Vale a Pena?” E todos podem lá chegar?


A primeira daquelas interrogações corresponde ao título de um artigo publicado no Diário de Notícias de 9 de Setembro último, no qual se analisavam as principais razões dos menores fluxos de entrada de candidatos na Universidade portuguesa.[1] A discussão aí desenvolvida alinhava razões atribuíveis a um mercado de trabalho entretanto mais aberto e atractivo para os diplomados do Ensino Secundário (E Sec.), com opiniões indignadas quanto aos baixos salários que os jovens licenciados vêm ser-lhes atribuídos, para não referir também a precariedade a que estão sujeitos, apesar de a taxa de desemprego continuar a ser-lhes favorável. Argumentos, portanto, de raíz quase exclusivamente laboral.

Mas o processo de transição entre os Ensinos Secundário e Superior (E Sup.) é muito mais complexo e envolve outras dimensões que convém considerar, já que está a ser ameaçada a igualdade de oportunidades de acesso ao segundo daqueles níveis de ensino. A consideração dessas outras dimensões encontra-se entretanto mais facilitada devido a um conjunto de estudos que vieram recentemente a público.

Através do estudo de Março de 2018 Transições entre o Secundário e o Superior – série temporal , a Direcção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC) revela-nos que um número considerável de diplomados pelo E Sec. não prossegue para estudos superiores ou não o faz senão após um certo intervalo de tempo – o indicador de referência é “percentagem de alunos que tendo concluído o E.Sec há um ano não foram encontrados a estudar”. Confirmando resultados anteriores, são os mais jovens, os que provêm de famílias com níveis médios de escolaridade mais elevados, os nacionais e as raparigas – estas a diminuírem entretanto a sua vantagem relativa – quem mais transita para a Universidade ou o faz de forma imediata. Estão também neste caso os jovens que concluíram o 12º ano na modalidade Científico-Humanística[2], em oposição aos diplomados pelo E. Sec Profissional ou Tecnológico.

Qual a ou as razão(ões) de ser destes menores e mais tardios fluxos de transição?

Consultando, por sua vez, o Eurostudent, cuja última edição foi publicada pela Comissão Europeia em Março último, ficamos a perceber melhor tais razões. Aí se constata que o nosso país constitui, com efeito, um dos EEMM da U.E. onde é mais alargado o intervalo médio de tempo de transição entre o E. Sec. e o E. Sup. E também que Portugal é o segundo daqueles países onde mais se apontam as dificuldades financeiras como razão para a interrupção de estudos superiores e um daqueles em que mais pesa a afirmação de que, sem um emprego, não haveria possibilidade de ter prosseguido para o E. Sup., mesmo entre aqueles estudantes que afirmam depender maioritariamente do orçamento da família. Observa-se também que o País se situa muito acima da média comunitária relativamente ao peso corrigido das propinas e que, após a Alemanha, é o segundo país onde menos estudantes vivem em residências universitárias. Talvez por isso mesmo, cerca de 15% dos estudantes portugueses do E. Sup afirmem não desenvolver um sentido de pertença relativamente às comunidades universitárias, bem como se encontram bastante abaixo da média da U.E. quanto ao grau de satisfação com aspectos relativos àquele grau de ensino.

Ora estes dois últimos indicadores prendem-se com razões de natureza não estritamente económica, mas antes psicológica e motivacional, podendo embora as limitações de recursos estar na base da desmotivação relativa. Como o poderão estar também – e decerto estão – factores que remetem para o sucesso relativo em níveis de escolaridade anteriores. A emigração de largas dezenas de milhares de jovens portugueses após a licenciatura não deixará de contribuir igualmente para aquele grau de desmotivação, como aliás o reconhece um Parecer relativamente recente do Conselho Nacional de Educação[3]. Os principais autores de referência, alinhando essencialmente por teorias como as da capacitação, de que A. Sen foi percursor, do efeito da inteligência emocional e da percepção da auto-eficácia, vêm de há muito contribuindo para alargar a explicação estritamente económica da transição entre os E. Sec. e E. Sup, mas não se justifica desenvolver mais tais aspectos neste post.

Oportuno parece-nos ser indagar junto dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior se entendem nada ter a dizer a este respeito:

- Não será preocupante que, face ao número de novos alunos entrados em todos os ciclos e modalidades de E. Sup, e dada a recuperação total da taxa de conclusão verificada em 2015 face a 2008, a mesma tenha voltado a baixar desde então – 12 pp. entre 2015 e 2017 (www.pordata.pt) ?

- Como se tem acautelado a situação dos jovens portugueses diplomados com o E. Sec. que não trabalham nem estudam (NEET)? Segundo a base de dados do EUROSTAT, a percentagem de portugueses dos 20 aos 24 anos naquelas circunstâncias, em 2017, era de 6,5%, apenas um pouco abaixo da média da EU (7,6%) e muito longe ainda de recuperar os níveis atingidos no País antes da crise (3,0% em 2008, http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do ).  
- Sabendo que a necessidade de se deslocarem para fora das suas áreas de residência habitual pesa significativamente nos orçamentos familiares com alunos no E. Sup, especialmente em termos de alojamento e transportes, considera o Governo que o esforço de investimento em residências e cantinas universitárias tem sido o suficiente?

- Como se explica que o investimento na Rede de Bibliotecas Escolares, em forte queda desde 2010, se tenha mantido sempre ao mesmo nível entre 2014 e 2017 (www.pordata.pt) ?

Em suma,
- Por que razão a execução orçamental com Educação, em percentagem do PIB, tem vindo a diminuir sempre desde 2014 (www.pordata.pt) ?


A resposta a tais perguntas parece-nos ser da maior importância. É que mesmo que se conclua que a Universidade vale a pena, não está de forma alguma garantida a igualdade de oportunidades no acesso ao Ensino Superior.




[2] Embora os diplomados pelo Ensino Artístico e, especialmente, os de Línguas e Humanidades, sejam dentro desta modalidade os que menos transitam ou que o fazem no ano escolar imediatamente a seguir.
[3] Parecer CNE, nº 3 2017.

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