Estamos numa grande euforia. São só mais 10 dias e o Sr. Primeiro Ministro vai anunciar o plano do desconfinamento. Será que além de anunciar o plano vai, também, dizer quando é que se abrem as comportas? Respiramos fundo e dizemos: “já não era sem tempo”! Precisamos de viver, porque esta continuada sobrevivência, vegetação “à sombra”, nem é vida, nem é nada. Vamos fazer uma grande festa.
Infelizmente, entendo que temos de acalmar bastante e carregar a fundo no travão. Vejamos.
O confinamento e a situação sanitária são, em geral, entendidos como duas irmãs gémeas. Haverá tanto maior confinamento quanto mais deteriorada for a situação sanitária e inversamente. Mas como se medem, um e outra?
Podemos avaliar, mais ou menos, as consequências do confinamento: empresas fechadas ou destruídas, desemprego, perda de rendimentos, desaparecimento da sociabilidade, isolamento e desenvolvimento de morbilidades psicológicas e outras, etc. Enfim, vemos a vida a desaparecer-nos por entre os dedos das mãos.
E a situação sanitária? São, o número de infectados, o número de activos, os internamentos em cuidados intensivos, ou não, a situação hospitalar, a falta de consultas para outras morbilidades e, na última carruagem, o número de mortos. São variáveis que sabemos mais ou menos medir, com ou sem atraso. O que não sabemos é medir qual deve ser a relação entre a percentagem de aumento (ou diminuição) do confinamento e a percentagem de aumento ou diminuição das diferentes variáveis da situação sanitária. O economistas chamam a esta medida, elasticidade. Neste caso não a sabemos calcular. E necessitávamos de saber, porque só esse conhecimento nos permitiria conhecer em quanto devemos acelerar o desconfinamento, em função do combustível que temos na situação sanitária.
Não existindo uma medida rigorosa a coisa tem que ir a olho: a minha percepção é a de que . . ; eu sou da opinião de que . . .; se mais ninguém sabe, o Sr. Presidente da República ou (e) o Sr. Primeiro Ministro têm que saber! Há uma coisa que sabemos, é que num mês se reduziu o número de Vidas perdidas de 303 para 34. Que ilações é que poderemos daí retirar e como é que essa redução pode constituir fundamento para novos comportamentos? O exercício não é fácil.
E no entanto é a simulação desse exercício que vemos ser feito, todos os dias, a todas as horas, nas nossas televisões? “Demandez l’impossible”, dizia-se no maio de 68, mas estes srs. profissionais e todos os que determinam os seus comportamentos não é aí que se inspiram. O que pretendem é que seja dito o que é impossível de dizer e se possível passar uma grande rasteira ao interlocutor que têm pela frente, demonstrando-lhes as contradições em que andam envolvidos, em vez de o deixar explicitar, com serenidade, o sentido do seu pensamento, da sua análise, das suas decisões. Assim despertam emoções, tensões, nervosismo, desinformação e certamente que venderão mais publicidade. Se isto não tem sentido e só serve para desinformar, o que é que pode ter sentido?
A vida que se perde com o confinamento tem um preço, embora possa ser mais ou menos difícil de determinar em todas as suas componentes. Só que na outra face da moeda não é só vida que se perde, são Vidas que se vão. E as Vidas que se vão não têm preço. Não podem ser, por isso, objecto de “trade-off” com a obtenção de mais vida no desconfinamento. De outro modo, facilmente cairemos na situação que consiste em dizer que vamos desconfinar, porque isso vai dar vida a muita gente e a muitas actividades, embora possa ter como consequência a perda de mais algumas Vidas. Mas se uma única Vida não tem preço não podem fazer-se trocas de mais vida por mais Vidas perdidas. E se fazemos, temos que ter consciência do verdadeiro significado do nosso comportamento.
Não estamos em tempo de grandes euforias por muito que delas necessitemos. E talvez que seja já tempo de tomar consciência de que vamos ficar mais pobres, para que saibamos procurar determinar qual é o grau de equidade que deve ser adoptado para distribuir essa pobreza. Seria bom que o novo mundo que, necessariamente, vamos ter pudesse ter em conta uma nova economia (economia de Francisco), uma outra sociedade, a reversão dos desequilíbrios climáticos, a pacificação das relações humanas com o ambiente e com a natureza, etc.
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