Durante o último fim de semana de 8 de Outubro, pelo menos, um jornal de grande circulação titulava uma notícia do seguinte modo: “Banqueiros querem empurrar dívidas do Estado para banco novo. Solução engenhosa alivia bancos e injecta liquidez na economia”.
Pensei de imediato que, certamente, seria uma espécie de euro milhões do dia anterior e assim teríamos encontrado a solução milagrosa: dava-se uma cara nova aos bancos e eles poderiam recomeçar a financiar a economia. No entanto, fiquei a matutar no assunto e, como o pobre, passou-me pela cabeça que sendo a esmola grande demais talvez fosse de desconfiar. Apesar de tudo, quem sabe! Como diz, ou dizia, o cauteleiro; “há dias felizes, meu amigo”!
Li um pouco mais da notícia e lá estava: “Os banqueiros andam numa roda-viva para encontrar uma solução que force o Estado a pagar as dívidas das empresas públicas à banca”. E aqui voltei a ficar surpreso: então é preciso forçar o Estado a pagar as dívidas das empresas públicas? As empresas públicas não pagam as suas dívidas?
Ansioso fui ler o resto do artigo e o que lá está escrito dá para tudo, menos para entender porque é que o que atrás se diz tem que acontecer; até parece que quem escreve não entendeu aquilo que escreveu, mas resolvi fazer “investigações” por conta própria.
Recordei-me, então, que aqui há cerca de ano e meio, ou talvez um pouco mais, os bancos portugueses deixaram de ter acesso ao mercado de capitais, acesso esse que constitui uma condição indispensável para que possam continuar a renovar a sua liquidez e a financiar os seus clientes (famílias, empresas, administrações, etc). Se essa dificuldade de acesso os preocupou, rapidamente foi encontrada uma alternativa, já que o Banco Central Europeu (BCE) ia continuar a garantir o financiamento, a taxas de juro que pouco iam além dos 1%.
Bom negócio, pensei eu. É como se comprassem a 1% e vendessem a a 7, 8, 9 ou 10%. Quem é que pagava o diferencial entre as taxas normais e as a taxas mais baixas? Nós. Quem é que pagava a taxas mais elevadas? Os Estados e no caso o Estado Português, ou mais uma vez, nós, também. Isto é, espoliados pela frente e por trás.
Os bancos, naturalmente, encheram-se de comprar dívida portuguesa, pública ou garantida pelo Estado. Era de aproveitar! Não estavam a fazer nenhum favor ao Estado; estavam a ir a favor do vento.
Não se esqueçam que quem fez subir as taxas, para os níveis de 7, 8, 9 ou 10%, foram as agências de rating. Recordam-se que, na primavera e verão do ano passado, em 3 ou 4 meses, as ditas agências consideraram que Portugal aumentou o seu risco de não pagar a dívida duas vezes. Era como se o nosso país tivesse ficado duas vezes mais pobre em 4 meses.
E alguém acredita nisso. Pois não, mas lá que aconteceu, aconteceu, através de simples manobras na secretaria . . .
Os bancos, ao comprarem os títulos de dívida, também iam pouco a pouco adquirindo liquidez, porque havia títulos com maturidades (isto é a vencerem-se em diferentes prazos, uns mais curtos e outros mais longos).
Esperou-se que com a liquidez adquirida os bancos passassem a financiar a economia real (as empresas, as famílias, etc). Mas o que é certo é que tal não veio a acontecer. E o que muitos perguntarão é porque é que tal não aconteceu?
Quase que como Sherlock Holmes, respondendo ao Dr. Watson, apetece dizer: “elementar meu caro Watson”!
E então qual é a explicação? A explicação é a de que muito provavelmente os bancos encontraram outras aplicações, que não a economia real, que lhe eram mais compensadoras, quer por via da taxa de juro (aplicações no mercado financeiro), quer pela necessidade de se recapitalizarem, dadas as características de operações financeiras anteriores que se vieram a revelar demasiado arriscadas.
A este propósito vale a pena recordar que, ainda há poucas semanas, se tornou público que uns tempos atrás, um Sr. pediu a um sindicato bancário (constituído pelos maiores bancos) um empréstimo de mais de mil milhões de euros, para comprar acções, acções essas que foram aceites como garantia do empréstimo. Acontece que essas acções, hoje, valem dez vezes menos do que valiam anteriormente e o dito Sr. não faz mais do que a lógica lhe aconselha: não pagar e dizer aos bancos que fiquem com as acções.
Apetece perguntar: e os bancos foram nessa e não podiam ter previsto o risco em que se estavam a meter?
Mas há mais. Com vista a garantir a melhor sustentabilidade dos bancos, face a compromissos assumidos internacionalmente, os Acordos de Basileia vieram a aumentar para um mínimo de 10% a percentagem do capital de reserva, em relação ao valor das operações de crédito.
Tendo chegado à situação a que chegaram, os bancos, para cumprir aquela exigência, necessitam de realizar operações de refinanciamento dos seus capitais próprios, o que podem fazer por duas vias: ou os sócios existentes entram com mais capital, ou abrem a subscrição do capital a novos sócios. Só que a maré não está para aí virada, quer para que os sócios existentes avancem com mais capital, quer para que potenciais novos sócios aí venham a arriscar o “seu”.
A troika bem se apercebeu disso e previu que 12 mil milhões de euros, de um total de 78 mil milhões (um pouco mais de 15% do total) do empréstimo a Portugal fossem destinados ao financiamento dessas operações de aumento de capital. Só que os bancos fogem destes 12 mil milhões como o diabo da cruz. Porquê? Porque tal implicaria que o Estado passaria a ser accionista dos bancos. Seria como se a raposa tivesse entrado dentro do galinheiro!
E agora já se percebe melhor a tal operação de criação do banco novo:
1. Os bancos querem um banco novo, para onde passariam a dívida pública ou garantida pelo Estado, mesmo que esta ainda não estivesse vencida (e assim esperariam obter melhores contrapartidas do que as que seriam obtidas se a dívida fosse colocada no mercado secundário; haveremos de ver melhor o que é isto do mercado secundário);
2. Receberiam a contrapartida correspondente e aumentam a sua liquidez;
3. No capital do banco novo entrariam os antigos, como accionistas e também o Estado, que mobilizaria para isso os tais 12 mil milhões de euros, mas para tal seria necessário o acordo da troika, já que os 12 mil milhões não foram previstos existem para este efeito.
Chegados aqui, muitas questões se poderiam colocar, mas já não há espaço, nem para as colocar, nem para lhes responder. Deixo-vos, apenas, com a seguinte:
Porque é não se deixa ficar a dívida com os bancos antigos e, com o capital dos 12 mil milhões da troika, não se cria um banco público, novo, com o objectivo de financiar a economia real e não operações especulativas?
12 mil milhões é muito dinheiro emprestado e a juros que, mesmo sendo razoáveis, terão de ser também pagos.
ResponderEliminarOra para aceitar a proposta de criar um banco que investisse na economia real, com esses 12 mil milhões, teria de se mudar a mentalidade rapidamente (o tempo do desemprego faz disso uma urgência!), de modo a que se passasse da especulação financeira, de lucro imediato, para investimentos cujo lucro é diferido.
A Esperança tem de ser criativa.
Haverá quem seja capaz de arriscar?
Claro!
ResponderEliminarMas tentar mudar a mentalidade dos que fazem especulação financeira é coisa de cujos resultados positivos, duvido muito.
Talvez que a alternativa deva consistir em mobilizar os que não têm essa mentalidade.
Há quem pense que se trata de mais um virtualismo. E, no entanto, para que haja Economia com Futuro tal é condição necessária.