28 julho 2010

Despedir?
Porque me apetece!

Segundo o Expresso do sábado passado (5/6/10), “Passos quer liberalizar despedimentos e contratações”.
Não conheço pormenores de tal proposta defendida por Passos Coelho num encontro com empresários, e em que ele, consciente de que “não sendo as alterações às leis laborais matéria passível de consenso”, terá manifestado a esperança de “com uma futura maioria, gerar soluções para esse efeito” (página 13 do mesmo jornal).
Acabar com a proibição dos “despedimentos sem justa causa” é uma ideia recorrente. Propagandeia-se que, sem isso, as leis do trabalho são uma barreira de rigidez que impede as empresas de serem eficientes. E também nessa propaganda se tenta convencer as pessoas de que poder despedir à vontade é uma forma de criar mais emprego!
Fui pela “enéssima” vez rever a legislação laboral. E não consigo deixar de perguntar: onde é que está a rigidez quanto ao despedimento?
Vejamos, por exemplo, o artigo 351º (“Justa causa de despedimento”) do Código do Trabalho. Os 12 motivos para despedimento referidos no número 2 desse artigo (da alínea a à alínea m) referem comportamentos do trabalhador tais como:
“desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierárquicos…” e “desinteresse repetido pelo cumprimento de obrigações inerentes ao cargo ou posto de trabalho…”; “violação dos direitos e garantias dos trabalhadores…”; “falta culposa de observância das regras de higiene e segurança no trabalho”; “lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa”; “provocação repetida de conflitos…” e “prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias…” e ainda “…crimes contra a liberdade” de “trabalhadores da empresa, elementos dos corpos sociais…empregador individual…seus representantes” ; “falsas declarações relativas à justificação de faltas”; “faltas não justificadas que determinem directamente prejuízos ou riscos graves…” ou que excedam um certo número de faltas injustificadas; “incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa”; “reduções anormais de produtividade”.
Poder-se-ia acrescentar a possibilidade de despedimento “por inadaptação” do trabalhador ao posto de trabalho” ou ainda por”extinção do posto de trabalho”, além do despedimento colectivo.
Perante toda esta panóplia de motivos para despedir, há que perguntar se haverá mais algum a não ser o “ porque me apetece!”.
Só que esse “apetece-me” choca com o artigo 53º da Constituição da República: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”. Mesmo que a OCDE e comissários europeus (e também Passos Coelho) não gostem…e achem que é preciso “fazer mais”, como ontem se lia em alguns jornais. Em Portugal proibir os despedimentos sem justa causa é não só respeitar um princípio do “trabalho digno” (defendido pela OIT e com que a União Europeia se comprometeu) como ainda contribuir para proteger os trabalhadores, suas famílias e a sociedade envolvente, da arbitrariedade patronal tão facilitada pela nossa cultura autoritária (no sentido sociocultural), a qual, em meados dos anos 90, estudos de psicologia social continuavam a confirmar, e que leva a comportamentos do “quero, posso e mando”, com muito maior frequência do que em países europeus tantas vezes apontados como exemplo.

09/06/2010 Almada, Cláudio Teixeira

Obs: Este texto foi enviado para o Público - secção “cartas à directora”, mas não foi publicado.

1 comentário:

  1. Há muito que também eu penso que "despedimento sem justa causa " é igual a um grande retrocesso social pois equivale a pensar que o patrão pode dispor arbitrariamente da vida do trabalhador. É a negação do direito ao trabalho, um dos pilares da doutrina social da Igreja e conquista civilizacional
    A fundamentação feita pelo Cláudio vem dar consistência a esta ideia. É de lamentar que o artigo não tenha merecido a receptividade do Público.
    M.S.

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