24 maio 2022

Qual o impacto da negociação coletiva nos salários em Portugal?

 

No passado dia 18 de Maio foi apresentado pela Praxis um trabalho, da autoria de David Card (Universidade da Califórnia) e Ana Rute Cardoso (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), que constitui um importante contributo para compreender em que medida as convenções coletivas regulam, em Portugal, as relações de trabalho e, acima de tudo, os salários ( https://docs.iza.org/dp14283.pdf).

A pergunta é tanto mais pertinente quanto se sabe que nos debatemos com uma crise prolongada da negociação coletiva, marcada, entre outros fatores, pela queda abrupta do número de trabalhadores cobertos por convenções que foram atualizadas num período de tempo aceitável.

O estudo apoiou-se na informação constante dos Quadros de Pessoal (QP), no período 2008-2016, instrumento administrativo que recolhe um número apreciável de dados, mas que se refere apenas ao sector privado da Indústria e Serviços. A análise daqueles Quadros permitiu decompor o salário de cada trabalhador nas seguintes quatro parcelas:

Salário total = mínimo nacional + (convencional mínimo) + (base convencional) + (total base)

De referir que a última parcela (total-base) foi denominada de almofada salarial e é constituída pelos pagamentos suplementares recebidos regularmente pelos trabalhadores, como é o caso do subsídio de alimentação.

Em termos relativos, pode-se calcular o excesso representado por cada uma dessas componentes sobre a respetiva base.

Esta metodologia permite aferir da importância relativa de cada uma daquelas parcelas e, consequentemente, saber em que medida os salários em Portugal são realmente determinados pela negociação coletiva e quais são os grupos de trabalhadores para quem ela é mais importante.

Os resultados obtidos são muito esclarecedores, mas vamos destacar apenas alguns.

O   Uma vez que a almofada salarial é fixada pelo empregador, ela representa  uma importante fonte de flexibilidade salarial. As variações da almofada salarial contribuem significativamente para as diferenças registadas no mercado de trabalho, designadamente as diferenças de género, educação, idade e entre empresas mais e menos lucrativas.

·     Há poucas evidências de que os empregadores ajustam os aumentos no salário mínimo através de cortes no emprego

·    A análise das alterações salariais antes e depois da crise financeira mostra que o significativo decréscimo dos salários reais de muitos grupos foi obtido através de uma combinação de descidas reais na base dos salários, descidas reais das almofadas salariais e realocação de trabalhadores.

·      O efeito de realocação foi particularmente importante para os grupos com um grau elevado de educação, que entraram no mercado de trabalho com níveis salariais mais baixos do que os esperados antes da crise e foram promovidos menos rapidamente.

Em síntese, podemos concluir que o impacto da negociação coletiva sobre os salários é muito heterogéneo, uma vez que as empresas gozam de uma certa liberdade para fixarem os salários. De facto, embora os salários convencionais se tenham situado, em média, cerca de 27% acima do salário mínimo nacional, registam-se variações importantes, consoante o género, a idade e o nível educativo.

 Seria, entretanto, importante conhecer os resultados para o período posterior a 2016. De facto, no período coberto pelo estudo, para 25% dos homens e 40% das mulheres o salário contratual encontra-se próximo do salário mínimo. Dado que se registaram nos anos mais recentes aumentos importantes do salário mínimo, suspeita-se que se terá reduzido o "gap" entre os salários convencionais e o SMN.

 

 

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