30 abril 2015

A sanha, as privatizações e a greve da TAP

Desejo que não se consegue controlar; desejo de vingança; rancor; fúria; ímpeto de raiva; crueldade; furor; cólera semelhante à dos animais enfurecidos ou raivosos. Estes são alguns dos significados que os dicionários atribuem à palavra “sanha”.
 
Qualquer deles assenta que nem uma luva no discurso e nas decisões do atual governo sobre as privatizações, e disso temos como exemplo mais extremado as intervenções públicas que nos tem oferecido o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações. Numa televisão, ainda ontem, afirmou: “vim para o Governo para alterar completamente a forma como o Estado se relaciona com a economia”.
 
Privatizar, e privatizar a qualquer preço, tudo o que permite a tomada de decisões pelo Estado, é a missão que se atribuem. Sob o discurso da racionalidade e da eficiência, esconde-se uma grande ignorância, a ignorância de não compreender que na vida em sociedade não há apenas indivíduos, decisões individuais há, também, vida coletiva que exige que os indivíduos tomem decisões em conjunto, porque só assim serão capazes de gerar bem-estar, mais equitativo e mais justo.
 
Não é, agora, a ocasião para discorrer sobre o que deve ser privado, ou deve ser público mas, em alternativa, sabemos que os bens coletivos que agora estão sendo privatizados são um património de todos, que é inter-temporal, que não deve, nem pode ser alienado por um qualquer governo sem para isso ter adquirido mandato explícito. Este património constitui, entre outros valores, o suporte e a garantia de que a maior equidade e justiça social, na vida, pode continuar a ser obtida, nomeadamente, através do Estado Social. A sua degradação, funcional e na qualidade dos serviços prestados, consome e corrói a própria democracia.
 
O que se está a passar na TAP, e que muda de patamar com o início, a partir do dia de amanhã, da greve dos pilotos é um exemplo transparente da sanha privatística que se encontra à solta. O Governo quer privatizar, porque diz que a empresa necessita, para sobreviver, de capital fresco, acrescentando que o Estado não lho pode fornecer, porque não tem dinheiro e mesmo que tivesse os regulamentos comunitários não lho permitiria disponibilizar. Dizem, pois, que há que privatizar ainda que em contrapartida se receba uma mão cheia de nada. Como dizia o Sr. Secretário de Estado, há que introduzir uma nova forma de o Estado se relacionar com a economia, o que é por si só um valor, mesmo que não venha a existir qualquer contrapartida financeira.
 
Por outro lado, a posição dos pilotos tem como justificação garantir o acesso a uma certa percentagem do capital social da empresa privatizada. Não se percebe qual é a legitimidade que os pilotos da empresa podem ter para aceder a essa participação, com exclusão de todos os outros trabalhadores.
 
O que é certo é que se ouve, por vezes, dizer que os pilotos, ou alguns deles, não enjeitariam poder vir a tornar-se donos da empresa concorrendo para isso à privatização. Todos compreendem que se têm esse objetivo então o montante que poderão  desembolsar será tanto mais reduzido quanto mais desvalorizada estiver a empresa e for menor o valor que o mercado lhe atribui.
 
As características da anunciada greve de 10 dias permitem considerar como espectável que aquela desvalorização aconteça.
 
Isto é, o governo quer a privatização a qualquer preço; os pilotos querem a privatização ao menor preço.
 
Objetivamente, um e outros encontram-se mais aliados do aquilo que a maioria das declarações e dos media nos querem fazer crer.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários estão sujeitos a moderação.