10 janeiro 2015

Crise e Desigualdades de Género (*)



Como tantas vezes tem sucedido, a crise está de novo a ajudar a esconder o reforço da desigualdade em relação às mulheres, desde logo em termos remuneratórios. 

Tem-se dito e escrito que as crises – como a estatística – têm sido inimigas dos direitos das mulheres por contribuírem para a não visibilidade dos seus problemas. É certo que as consequências do afundamento das economias e das políticas de austeridade que o têm acompanhado têm vindo a provocar efeitos sociais de intensidade dramática e grande abrangência, especialmente em termos de desemprego, efeitos esses que se observa estarem ainda longe de começar a retroceder. Mas não é menos verdade que, ao mesmo tempo, se tem vindo a deteriorar significativamente a posição das mulheres em diversos domínios e, ao não se por a claro algumas destas evidências, corre-se o risco de perder anos de ganhos na luta pela igualdade de género.

A abordagem da desigualdade de remunerações entre mulheres e homens para trabalho equivalente[1] tem passado, normalmente, pela consideração dos ganhos de escolaridade de umas e outros, constatando-se que, embora geralmente mais escolarizadas e com mais formação, as mulheres recebem menos do que os homens nos mesmos sectores de actividade e em ocupações comparáveis. Complementarmente, faz-se em seguida a triagem pelos níveis de qualificação nos quais as empresas e organizações empregadoras classificam mulheres e homens em igualdade de “capital humano”, para se constatar que, muito frequentemente, a probabilidade de as mulheres receberem uma classificação igual à dos homens em situação equivalente é bastante baixa.

A literatura da especialidade, muito abundante como se sabe, usa a expressão tecto de vidro (ceiling glass) para referir a menor possibilidade de mobilidade vertical das mulheres. E convém sempre sublinhar este facto complementar: a razão de ser desta “viscosidade“ que tanto tem penalizado as mulheres, tem a ver com processos que estão fora do seu controlo e decisão; se é um facto que, habitualmente e em média, se têm vindo a esforçar por progredir mais nos estudos e por fazer mais formação, muitas vezes em dificuldade extrema de compatibilização entre trabalho, estudo e família, a verdade é que tal empenhamento não consegue protegê-las da discriminação remuneratória a que a relação laboral tantas vezes as condena. Muito ao contrário do que o pensamento dominante, agarrado ainda às teorias do investimento em capital humano, quer fazer passar.

Como nos mostra o Gráfico nº 1, a desigualdade remuneratória entre mulheres e homens tem vindo a agravar-se muito em Portugal ao longo dos anos da crise, seguindo uma tendência contrária à da média da União Europeia:





Esta desigualdade remuneratória, que em inglês se designa por gender pay gap, obtém-se através de:

                                                          g = (whH - whM)/whH,  

em que whH e whM representam os ganhos brutos horários médios dos homens e das mulheres, respectivamente.

Afinando um pouco mais esta breve análise no sentido anteriormente descrito, podemos agora desagregar aquela tendência por Níveis de Qualificação:




Constata-se, assim, não só que a diferença salarial relativa entre mulheres e homens é particularmente acentuada, em 2011, nos Quadros Superiores (QSUP), no Pessoal Altamente Qualificado (PAQ) e nos Quadros Médios (QMED) – categorias a que correspondem, em geral, níveis médios de qualificação mais elevados – mas também que nestes dois últimos níveis, assim como no de Pessoal Não Qualificado (PNQ), a situação se veio a deteriorar desde 2002.

Ora, ao contrário do que sucedeu ao longo de décadas, nota-se de 2012 para 2013 um aumento, se bem que ligeiro, na taxa feminina de abandono precoce da escolaridade, ao mesmo tempo que o peso relativo das mulheres portuguesas matriculadas no Ensino Superior tem vindo a diminuir desde o início do milénio: se em 2001 respondiam por perto de 2/3 do total (60,9% contra 39,1% de homens), os dados da base PORDATA mostram-nos que, em 2014, embora ainda em maior número do que os homens, lhes corresponde agora apenas uma parcela de 55,5%. Significa isto só por si que as mulheres portuguesas estão a ver diminuídos os poucos recursos que poderiam brandir – e mesmo assim com limitada eficácia, como vimos – contra a desigualdade de remunerações de que cada vez mais estão a ser alvo. Trata-se de um resultado que, a nosso ver, muito ganharia em ver aprofundadas as suas circunstâncias e principais determinantes.


(*) Adaptado e actualizado a partir da apresentação "Segregação e Discriminação das Mulheres no Mercado de Trabalho: Metodologias de Medida e Articulação com Educação e Formação", Seminário na Universidade Feminista, UMAR, Lisboa 14 de Maio de 2014.

 Margarida Chagas Lopes
Const


[1] Conceito que, por simplificação, aqui faz intervir apenas os parâmetros  “mesmo nível de escolaridade”, “horário equivalente” e “mesmo sector de actividade”.

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