17 dezembro 2013

E depois do adeus . . . o ficarmos sós

Este adeus não veio depois da festa do amor, cantada por Paulo de Carvalho e escrita por José Niza. Antes, pelo contrário, culmina um longo período de desavenças que agora se apresenta travestido de luminoso presente de Natal. Ficámos sós, não porque o ser amado partiu e queríamos que continuasse connosco, mas porque depois de continuadas juras de amor descobrimos que tudo não passava de uma enorme e disfarçada trapeirice.
 
Estou-me a referir à anunciada partida da troika, do nosso país, e à paisagem de destruição que nele se prepara para deixar. Acontece que o outro ser amado (os responsáveis portugueses) continua inebriado nos vapores da grande celebração da destruição sem se dar conta do clima de colaboracionismo em que se deixou envolver.
 
Foi ontem anunciada como terminada, com êxito, a décima avaliação da troika. Dizem os comentadores que se tratou de mero pró-forma. Ainda faltam mais duas, uma em Fevereiro e outra em Abril, e os mesmos comentadores referem que essas, sim, serão a sério. Por isso, quem poderia ter pensado que o momento o adeus já estava aí, desiluda-se; o Natal vai continuar a ser sofrido!
 
Dirão alguns: ora, quem já aguentou tanto, também aguenta mais 3 ou 4 meses e depois virá a primavera e o momento do adeus. Finalmente livres! Puro engano.
 
Desde há alguns meses, mas mais intensamente, com o fim do resgate da Irlanda e com o anúncio de que esta não iria recorrer à utilização de qualquer programa cautelar, iniciou-se em Portugal a discussão sobre as vantagens e inconvenientes de, no nosso caso, se solicitar o acesso a um programa cautelar. O Governo, ao tomar conhecimento da decisão da Irlanda, sem se comprometer,deixou passar a mensagem de que, provavelmente, se a Irlanda não precisou do programa cautelar, também Portugal se poderia dele dispensar.
 
Convém, talvez, precisar o que é o tal programa cautelar. Até hoje ainda nenhum programa cautelar foi desenhado e, por isso, o que tem sido dito, ou são meras especulações ou ilações feitas a partir de reflexões produzidas no âmbito comunitário ou em outros fóruns. Parece, no entanto, haver razoável consenso para se poder dizer que o programa cautelar corresponde à subscrição de uma espécie de seguro, junto das instâncias comunitárias, segundo o qual a União Europeia (EU) se dispõe a intervir no mercado, caso os financiamentos que Portugal aí queira obter só o puderem ser mediante o pagamento de juros considerados especulativos.
 
Claro que, sendo um seguro, a “empresa” que o emite exige o pagamento de um prémio, que se vai traduzir pela continuação da tutela da EU através dos mandatários de serviço, Jeroen Dijsselbloem e Olli Rehn.
 
A questão que se deve colocar é a de saber se o recurso ao programa cautelar, no caso português, é uma iniciativa do Governo, como os seus membros pretendem levar a crer ou, pelo contrário é uma imposição dos credores. Se alguém poderia ter dúvidas, as declarações feitas ontem pelo Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Sr. Mario Draghi, deixou tudo muito clarinho: “Sobre o período de transição haverá um programa; haverá um programa adaptado à situação durante esse período de tempo, e temos que ver que forma este programa irá assumir”.
 
Face a estas declarações as oposições vieram, imediatamente, pedir explicações ao Governo, fazendo crer que este andaria a realizar negociações secretas que deveria revelar ao país. É minha convicção que não há qualquer espécie de negociações. Aliás, como se tem visto, o Governo não está em condições de negociar coisa nenhuma, se é que o deseja, antes, cumpre, qual criado dedicado, o que lhe é dito para fazer pelos credores.
 
As declarações do Sr. Draghi vêm mais uma vez mostrar quem é que manda aqui e revelam que a única grande preocupação é garantir aos donos do capital financeiro que os valores emprestados serão devidamente reembolsados, acrescidos dos juros especulativos que lhe permitem continuar a realizar a extorsão dos recursos do país.
 
Com as revelações do Sr. Draghi o que se está a dizer é que Portugal continua a ser um país de comportamento irregular e que, por isso vai precisar de um seguro. Antes que tudo há que garantir que os interesses do capital financeiro são salvaguardados. Para isso os interesses dos portugueses, novos, velhos e de meia idade serão humilhados e destruídos, mas isso pouco importa, porque o governo português não deixará de ser bem comportadinho.
 
Uma nota final para revelar o meu espanto pelas declarações do Chefe do Governo acerca do que foi afirmado pela Sr.ª Lagarde acerca da necessidade de Portugal necessitar de vir a dispor de mais tempo para o reembolso da dívida. Não deveria ser esse, também, o interesse de Portugal? O Sr. Primeiro Ministro acha que não e, consequentemente, em vez de se aliar à Sr.ª Lagarde para que ela dê instruções aos funcionários que fazem os exames da troika em Portugal para terem comportamentos compatíveis com as suas declarações, pelo contrário, entende que defende os interesses de Portugal criticando a Sr.ª Lagarde e bajulando os comportamentos dos técnicos do FMI, da UE e do BCE.
 

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