21 abril 2013

Sinal vermelho para a austeridade


Por mais que se repita que a política de austeridade é inevitável e que os sacrifícios que ela implica darão os seus frutos logo que se regresse aos mercados, muitas pessoas estão já no limite das suas forças e poucos acreditam que, mesmo que aquele resultado se alcance, ele traga consigo o milagre da recuperação da economia portuguesa. 

Dizem-nos (e acreditamos, sem esforço) que o caminho é estreito mas contestamos que ele deva passar por mais austeridade que conduza a prejudicar as obrigações do Estado no que se refere aos direitos sociais garantidos constitucionalmente. 

Como observa a Dr.ª Maria João Rodrigues, Conselheira  junto das instituições europeias, no seu artigo “ Que mensagem para a Europa?”, Portugal deveria levar à instância política mais elevada - a cimeira da zona euro - uma mensagem esclarecedora do caminho de austeridade percorrido e das perspectivas muito negativas que se colocam se nela continuarmos, em particular se se concretizarem, por exigência da troika, cortes adicionais no Estado social.

Perdeu-se, infelizmente, a oportunidade de utilizar o Acordão do Tribunal Constitucional para defender, como se impunha, a renegociação das condições do programa de ajustamento e o tempo escasseia para que se possa ainda travar a espiral recessiva que ele aprofunda. 

Mas as alternativas existem, tanto no quadro europeu, como a nível nacional, e não podem continuar a ser postas de parte pelos fundamentalistas da ideologia neo-liberal, usando argumentos de pretensa racionalidade económica, ou invocando obstáculos de natureza legal, como se estes fossem intransponíveis.

Recordamos, quanto ao primeiro grupo de argumentos, o erro do FMI que consistiu numa grosseira sub-avaliação dos impactos negativos da austeridade sobre o PIB e o Emprego e acrescentamos, agora, o “ erro da folha de Excel”, da responsabilidade de dois economistas, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, que argumentavam, erradamente, que a dívida pública, acima do limiar de 90% do PIB,  provocava a queda abrupta da taxa de crescimento económico. 

Como seria de esperar, as ideias daqueles influentes economistas, agora desautorizados, tiveram um papel decisivo para que fosse abandonada a política de estímulos à economia e fossem drasticamente reduzidas as despesas do Estado. E, entretanto, quanta austeridade desnecessária, quanto sofrimento inútil! 

Outra arma perigosa são os pretensos argumentos de que as instituições europeias estão limitadas pelos respectivos mandatos e, portanto, não podem intervir mais eficazmente para apoiar as economias mais fracas do sul da Europa. 

Tal é o caso do Banco Central Europeu que, no entender de economistas como Martin Wolf, não deveria preocupar-se apenas em manter níveis baixos de inflação mas (tal como os Bancos centrais), sobretudo em situações de grave recessão, devia procurar que fossem atingidos os mais elevados níveis de actividade económica compatíveis com uma inflação estável. 

Um outro economista - Wolfgang Münchau - constata que o BCE, respeitando embora o seu mandato legal, tem ao seu alcance a possibilidade de ser mais eficaz no apoio ao crédito às empresas do sul da Europa, pois as medidas que habitualmente toma não têm o impacto esperado sobre as condições de acesso ao crédito por parte das empresas. 

Sugere então que, para além dos incentivos directos aos bancos para que concedam empréstimos, o que já é praticado, embora sem grande sucesso, podia o BCE apoiar um vasto programa de concessão de crédito, a lançar pelo  BEI, para  cofinanciar empresas de média ou pequena dimensão, no quadro de uma operação de grande envergadura, rápida e sem burocracia. 

Ou, ainda, uma acção mais radical que poderia ser a compra pelo BCE de obrigações de empresas no mercado primário e no secundário. Embora este programa seja mais dirigido a empresas de maior dimensão, não é, teoricamente, de excluir que dele também possam beneficiar as de menor dimensão, através de mecanismos adequados. 

Outras ideias existem certamente do que pode ir sendo posto em prática, com o objectivo de contrariar as erradas políticas que tanto têm afectado as economias do sul da Europa, assim evitando o agravar de tensões sociais já tão preocupantes. 

Se o caminho se faz caminhando, talvez pequenos passos no bom sentido ajudem a travar a injustificada austeridade…
 

Fontes: Jornal “Público” de 10 de Abril de 2013 -  artigo ”Que mensagem para a Europa” por Maria João Rodrigues -; Jornal Financial Times de 7 de Abril de 2013 – artigo “The ECB’s priority should be to fix southern Europe” por Wolfgang Münchau – e de 16 de Abril de 2013 – artigo “How central banks beat deflation” por Martin Wolf.

3 comentários:




  1. Manuel Brandão Alves22 de Abril de 2013 à0 11:33

    Texto muito esclarecedor sobre os muitos caminhos que podem, ainda, ser percorridos, evitando que se continue a escavar!
    Mas se é assim, o que é que está a impedir que se inicie a marcha?

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  2. Em poucas, mas claras e inisivas palavras, Isabel Roque de Oliveira não só acende mais um sinal vermelho às políticas ditas de austeridade que vêm sendo aplicadas em Portugal e em outras economias do sul da Europa, em nome de pseudo inevitabilidades, como aponta possíveis caminhos, a nível nacional e europeu, para romper com a armadilha da austeridade e abrir as portas a uma necessária e urgente política económica que vise objectivos de desenvolvimento e de satisfação das necessidades das pessoas e promova o emprego dos recursos humanos disponíveis. É um texto que, a meu ver, merece chegar aos media e aos ouvidos de quem tem o poder de decisão.

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