É
muito difícil fazer contas.
Sabemos
que a grande maioria dos sectores da economia está parada em virtude da
pandemia. E dizem-nos, quem bem o terá estudado, que paragens desta monta
poderão vir a corresponder a quebras de cerca de 8% do PIB por trimestre.
Sabemos também que as importações de bens duradouros, como os automóveis e
outros equipamentos, diminuíram drasticamente. Que a construção civil – que não
parou por completo – e sobretudo o turismo, a restauração e o comércio sofrem
perdas dramáticas. Tudo isso é quantificável e se contabiliza.
Talvez
mais importante ainda, a crise está a reforçar as desigualdades, a fazer aumentar
o risco de pobreza, a agravar as condições de vida mesmo de quem tem, ou tinha,
trabalho, os especialistas nestes domínios têm sido bem claros. Os precários,
os contratados a termo certo, os trabalhadores temporários, os que fazem
involuntariamente horário parcial são os primeiros a sofrer. Em consequência, os
seus consumos e de suas famílias reduzem-se ao mínimo, muitos passam mesmo mal
e com carências de vários tipos. De entre eles, alguns sentir-se-ão uma vez
mais atraídos pelo recurso ao crédito, sempre revestido de roupagens tão
tentadoras quanto enganosas. Também estas quebras se poderão calcular, com um
mínimo de rigor. É todo um agravamento nas condições de vida destas populações,
os últimos posts deste blogue bem o
têm caracterizado.
Muitos,
ainda, sofrem infelizmente os efeitos directos da pandemia. Estão doentes, com
maior ou menor gravidade, viram familiares seus a não conseguirem resistir, em
muitos casos estão internados ou em quarentena. Os seus consumos diminuíram também,
naturalmente. Não terão, entretanto, tido menos despesas com saúde nem com
equipamentos de protecção contra o vírus, nem com os consumos relativamente fixos
de energia, comunicações, manutenção em geral.
E todos
os outros? Os que mantêm os seus vencimentos, as suas pensões de reforma,
outros eventuais rendimentos, como os de propriedade? E que se encontram
igualmente confinados…
Diz-nos
o senso comum que todos os consumos correntes dos que têm a sorte de não terem
sido directamente afectados se encontram igualmente em queda acentuada: não se
fazem, ou reduzem-se ao mínimo, as despesas com restauração, as saídas de
turismo e lazer são agora inexistentes, as visitas aos centros comerciais foram
adiadas sine die, recupera-se e
reutiliza-se muito mais, por vezes como nunca se tinha pensado ser possível. E,
no entanto, todas estas pessoas sobrevivem, não parece que o seu estado de
saúde física se tenha agravado[1] e, mesmo mentalmente, há
quem tenha aprendido a mitigar o confinamento através de consumos culturais por
streaming, visitas virtuais a museus
e galerias de arte, releitura de livros ou sua leitura em formato e-book.
Não
é o mesmo, bem o sabemos, os consumos culturais e intelectuais vivem muito
também da frequência dos espaços onde habitualmente têm lugar e do contacto
directo com os criadores. Por outro lado, a vida social e afectiva sofre como
nunca a perda do outro, sobretudo em famílias com várias gerações distantes
entre si e, muito especialmente, para as pessoas que vivem isoladas. A
mobilidade revelou-se-nos também, com efeito, como um bem de valor nunca
suspeitado.
Todos
estes constituem bens essenciais numa sociedade moderna.
Mas
todos os outros consumos, aqueles que deixámos de fazer, ou passámos a fazer em
casa, a produzir, a reutilizar e arranjar por nós próprios, a substituir por
alternativas mais simples e directas, aqueles de que aprendemos a prescindir? Quantos
desses consumos serão, efectivamente, indispensáveis à vida numa sociedade
moderna?
É
muito difícil fazer contas, volto a repetir. Mas seria um desafio interessante:
o de calcular quanto custa o supérfluo. Isto é, o de fazer contas àquilo que
gastamos e de que, verdadeiramente, não necessitamos para viver condignamente.
Seria uma atitude ecologicamente coerente. Além disso, se os mecanismos de
redistribuição funcionassem adequadamente – o que é toda uma outra questão… –
seria um primeiro passo importante no caminho para uma sociedade mais justa e
inclusiva.
[1] Pese
embora o facto de, como sabemos, muitas consultas e actos médicos de rotina
estarem a ser adiados por receio de contágio.
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