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20 abril 2020

A escola que faz falta…


O título alternativo deste post bem poderia ser “Por que precisamos que as escolas funcionem”. Quando a pandemia abrandar e as condições de segurança estiverem reunidas, bem entendido.

Não nos traz aqui nenhuma crítica, implícita ou abertamente expressa, à actual forma de telescola que tanto tem contribuído para alimentar as redes sociais no dia de hoje. Precisamente o dia em que as aulas online começaram a funcionar. E apesar de ter ficado bem claro que estas não se destinariam a substituir mas apenas a completar as aulas via plataforma, ou “pela internet”, que aos alunos portugueses estão a ser oferecidas desde o segundo período. Bem escusavam as redes de se prestar a esta, e outras, formas de agitação social em que por vezes caem. Aliás, sem sequer ter havido tempo para analisar com o devido cuidado este tipo de oferta escolar que hoje começou, repito.

Sejamos claros: a principal razão de ser desta nova telescola reside no objectivo de diminuir a desigualdade dos alunos e das famílias perante o acesso à internet e, por isso, às únicas aulas a que até agora estavam a ter acesso. Umas e outras, relembre-se, decorrem do facto de a actual pandemia não permitir o funcionamento das aulas presenciais e, assim, qualquer daquelas modalidades não foi senão pensada como um recurso temporário. Do que foi dito decorre, de imediato, a conclusão de que as desigualdades perante a escola agora possível estavam a aumentar: muitas famílias não têm acesso à internet, em muitos casos existe um computador com internet em casa. Com o reforço do tele-trabalho por parte de muitos pais e muitas mães, aqueles meios tornavam-se ainda mais exíguos e de difícil partilha.

Ao contrário do que sucedeu com a telescola nos anos 60, a situação é, no entanto, muito diferente. Dispomos agora de professores em número e qualidade para poderem satisfazer presencialmente toda a oferta que o sistema de ensino agora disponibiliza. Os cerca de 100 professores que estarão agora envolvidos nas aulas pela televisão não são, então, os únicos que detêm habilitação e fizeram formação específica para esse efeito: o sistema de ensino funciona, de há muito, com os professores dotados de habilitação própria para as actividades lectivas e complementares que desenvolvem normalmente.

Por outro lado, os pais e mães dos alunos que têm agora, complementarmente, telescola são em regra muitíssimo mais escolarizados do que os pais e mães dos anos sessenta. Por isso, os alunos que agora recebem parte das aulas pela televisão estão neste momento a ser enquadrados, em grande percentagem, por mães e pais que os conseguem apoiar e orientar. Às vezes em excesso e desnecessariamente, diga-se. Pudessem estes pais continuar a permanecer em casa, mesmo após a pandemia, que os defensores do ensino doméstico não deixariam de ver aí uma oportunidade interessante para a defesa dos seus pontos de vista, estou em crer. No entanto, o depararmo-nos agora com aquela grande percentagem não significa, de forma alguma, que todas e todos, mães e pais, reúnam tais condições: o objectivo de não deixar nenhuma criança para trás não está necessariamente garantido, mesmo agora.

Uma vantagem grande que pode decorrer desta coexistência forçada em casa de pais, mães e crianças consiste, por outro lado, na aprendizagem das chamadas competências para a vida: o saber arranjar e cuidar das suas roupas, das refeições, da arrumação e limpeza, sem dúvida, mas também do valor das coisas que se compram e das que não são de todo necessárias, a dimensão do supérfluo e a grandeza da solidariedade e do cuidado pelo outro, sobretudo entre gerações. Por isso, perde-se uma grande oportunidade de formação destas novas gerações se a “escola virtual” não contribuir agora, de forma activa, para formar também para estas competências que os acidentes da vida mostram ser cada vez mais necessárias e se não chamar os pais e as mães para com ela se articularem nestas aprendizagens.

Por outro lado, e talvez mais importante, a escola - e especialmente a escola pública - continua a cumprir funções de socialização que só muito difícil e artificialmente se conseguem substituir. As crianças podem jogar online e fazem-no, podem até “praticar desporto” no Wi-fi, por exemplo, facilmente simulam aventuras em grupo através de aplicações disponíveis para consola ou outros meios. No entanto, só quando contactam e se envolvem física e emocionalmente, quando têm de racionar brinquedos e equipamentos, quando partilham refeições e se olham nos olhos estão, de facto, a socializar-se. O mesmo sucede com o tirar de dúvidas: o professor aparece no vídeo ou na televisão às 5ªs. feiras, entre as 10h e as 11h, para tirar as dúvidas que entretanto os alunos lhe fizeram chegar ou que ele admite, pela sua experiência, que os meninos e as meninas possam ter. Mas a compreensão pede presença física, o espelhar das emoções, a partilha dos gestos e expressões que denotam a competência e a sinceridade.

Do muito que haveria ainda a dizer a este respeito destacaria um aspecto que me parece fundamental. A pandemia trouxe ao de cima, uma vez mais, a miséria e a pobreza. Muitas escolas mantiveram-se fisicamente abertas não só para apoiar, e muito bem, os filhos dos profissionais de saúde mas também para dar resposta ao facto de ser a escola pública o único lugar onde muitas crianças portuguesas dispõem da sua única refeição quente do dia. As cozinhas e cantinas, os empregados e as empregadas de umas e outras têm estado a prestar também esse serviço.

Tudo isto nos deve levar a reflectir.

Que se aprenda, de vez, que a economia – de professores, de funcionários, de horas de aulas físicas e do indispensável financiamento condigno de tudo isto … - não pode nem deve substituir a aprendizagem e a escola. Sob pena de formarmos autómatos e não cidadãs e cidadãos de pleno dever e pleno direito.




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