O
título alternativo deste post bem
poderia ser “Por que precisamos que as escolas funcionem”. Quando a pandemia
abrandar e as condições de segurança estiverem reunidas, bem entendido.
Não
nos traz aqui nenhuma crítica, implícita ou abertamente expressa, à actual
forma de telescola que tanto tem contribuído para alimentar as redes sociais no
dia de hoje. Precisamente o dia em que as aulas online começaram a funcionar. E apesar de ter ficado bem claro que
estas não se destinariam a substituir mas apenas a completar as aulas via
plataforma, ou “pela internet”, que aos alunos portugueses estão a ser
oferecidas desde o segundo período. Bem escusavam as redes de se prestar a esta,
e outras, formas de agitação social em que por vezes caem. Aliás, sem sequer
ter havido tempo para analisar com o devido cuidado este tipo de oferta escolar
que hoje começou, repito.
Sejamos
claros: a principal razão de ser desta nova telescola reside no objectivo de
diminuir a desigualdade dos alunos e das famílias perante o acesso à internet
e, por isso, às únicas aulas a que até agora estavam a ter acesso. Umas e
outras, relembre-se, decorrem do facto de a actual pandemia não permitir o
funcionamento das aulas presenciais e, assim, qualquer daquelas modalidades não
foi senão pensada como um recurso temporário. Do que foi dito decorre, de
imediato, a conclusão de que as desigualdades perante a escola agora possível
estavam a aumentar: muitas famílias não têm acesso à internet, em muitos casos
existe um computador com internet em casa. Com o reforço do tele-trabalho por
parte de muitos pais e muitas mães, aqueles meios tornavam-se ainda mais
exíguos e de difícil partilha.
Ao
contrário do que sucedeu com a telescola nos anos 60, a situação é, no entanto,
muito diferente. Dispomos agora de professores em número e qualidade para
poderem satisfazer presencialmente toda a oferta que o sistema de ensino agora disponibiliza.
Os cerca de 100 professores que estarão agora envolvidos nas aulas pela
televisão não são, então, os únicos que detêm habilitação e fizeram formação
específica para esse efeito: o sistema de ensino funciona, de há muito, com os
professores dotados de habilitação própria para as actividades lectivas e
complementares que desenvolvem normalmente.
Por
outro lado, os pais e mães dos alunos que têm agora, complementarmente,
telescola são em regra muitíssimo mais escolarizados do que os pais e mães dos
anos sessenta. Por isso, os alunos que agora recebem parte das aulas pela
televisão estão neste momento a ser enquadrados, em grande percentagem, por
mães e pais que os conseguem apoiar e orientar. Às vezes em excesso e
desnecessariamente, diga-se. Pudessem estes pais continuar a permanecer em
casa, mesmo após a pandemia, que os defensores do ensino doméstico não
deixariam de ver aí uma oportunidade interessante para a defesa dos seus pontos
de vista, estou em crer. No entanto, o depararmo-nos agora com aquela grande
percentagem não significa, de forma alguma, que todas e todos, mães e pais, reúnam
tais condições: o objectivo de não deixar nenhuma criança para trás não está
necessariamente garantido, mesmo agora.
Uma
vantagem grande que pode decorrer desta coexistência forçada em casa de pais,
mães e crianças consiste, por outro lado, na aprendizagem das chamadas
competências para a vida: o saber arranjar e cuidar das suas roupas, das
refeições, da arrumação e limpeza, sem dúvida, mas também do valor das coisas
que se compram e das que não são de todo necessárias, a dimensão do supérfluo e
a grandeza da solidariedade e do cuidado pelo outro, sobretudo entre gerações.
Por isso, perde-se uma grande oportunidade de formação destas novas gerações se
a “escola virtual” não contribuir agora, de forma activa, para formar também para
estas competências que os acidentes da vida mostram ser cada vez mais
necessárias e se não chamar os pais e as mães para com ela se articularem
nestas aprendizagens.
Por
outro lado, e talvez mais importante, a escola - e especialmente a escola
pública - continua a cumprir funções de socialização que só muito difícil e
artificialmente se conseguem substituir. As crianças podem jogar online e fazem-no, podem até “praticar
desporto” no Wi-fi, por exemplo, facilmente simulam aventuras em grupo através
de aplicações disponíveis para consola ou outros meios. No entanto, só quando
contactam e se envolvem física e emocionalmente, quando têm de racionar
brinquedos e equipamentos, quando partilham refeições e se olham nos olhos
estão, de facto, a socializar-se. O mesmo sucede com o tirar de dúvidas: o
professor aparece no vídeo ou na televisão às 5ªs. feiras, entre as 10h e as
11h, para tirar as dúvidas que entretanto os alunos lhe fizeram chegar ou que
ele admite, pela sua experiência, que os meninos e as meninas possam ter. Mas a
compreensão pede presença física, o espelhar das emoções, a partilha dos gestos
e expressões que denotam a competência e a sinceridade.
Do
muito que haveria ainda a dizer a este respeito destacaria um aspecto que me
parece fundamental. A pandemia trouxe ao de cima, uma vez mais, a miséria e a
pobreza. Muitas escolas mantiveram-se fisicamente abertas não só para apoiar, e
muito bem, os filhos dos profissionais de saúde mas também para dar resposta ao
facto de ser a escola pública o único lugar onde muitas crianças portuguesas
dispõem da sua única refeição quente do dia. As cozinhas e cantinas, os
empregados e as empregadas de umas e outras têm estado a prestar também esse
serviço.
Tudo
isto nos deve levar a reflectir.
Que
se aprenda, de vez, que a economia – de professores, de funcionários, de horas
de aulas físicas e do indispensável financiamento condigno de tudo isto … - não
pode nem deve substituir a aprendizagem e a escola. Sob pena de formarmos
autómatos e não cidadãs e cidadãos de pleno dever e pleno direito.
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