As relações familiares
É claro que me
refiro às relações familiares, mas não apenas sobre essas.
A polémica que,
recentemente, se tem desenvolvido em torno das relações familiares e dos malefícios
da sua existência, tem foros de muita falta de “bom senso”. Não me refiro às afirmações
de que em relação às nomeações de familiares para cargos políticos ou
equiparados, sobre as quais se tem dito que o que é preciso é ter “bom
senso”. O “bom senso”, cuja falta constato, é anterior a este. É o “bom senso”,
ou a falta de senso, da polémica propriamente dita.
Vejamos um
pouco melhor qual a razoabilidade da discussão. O argumento principal é o de que
quando se nomeiam, ou indicam para nomeação, em cargos políticos, familiares,
estará posto em causa o interesse público. O pressuposto é o de que os
familiares conduzirão a sua intervenção política de acordo com critérios de
interesse privado, ou de solidariedade familiar e não segundo critérios de interesse
público.
Mas que
estranho pressuposto! Se essa mesma pessoa tiver sido nomeada para um cargo
político, mas por alguém que com ela não possui qualquer grau de parentesco,
então já não corremos o perigo de ela prosseguir interesses privados.
É muito estranho
que se tenha levantado, agora, esta polémica. Evidentemente, que o familiar pode,
depois de ser nomeado, passar a praticar as maiores desonestidades e patifarias
em direção ao interesse público. Pode, mas não tem que o fazer, necessariamente.
Para além disso, as relações familiares já não têm, hoje, as características que
tiveram no passado. O perigo, a existir, estaria fortemente diminuído.
Importa
interrogarmo-nos porque é que o interesse público é posto em causa, mais
intensamente, quando se nomeia um familiar
do que quando se nomeia o vizinho de cima, um dos elementos dos amigos do café,
uma terceira pessoa indicada por um amigo, o militante do partido ou movimento
político, o estagiário, advogado que trabalha na sociedade de advogados que
emite pareceres, a favor, ou contra o governo, os deputados que trabalham em
sociedades de advogados, etc., etc., etc.
Então o que é que
é preciso fazer? “Bom senso”, claro. Mas o bom senso não basta. Aquilo de que mais
precisamos é de promover uma sociedade democrática em que os mecanismos de
controle do exercício de funções públicas, existam com toda a transparência,
sem que o seu funcionamento possa ser encarado com desconfiança ou intenção de manchar
a honorabilidade de quem quer que seja.
Mas é preciso
acrescentar que estes mecanismos de controle não devem existir, apenas, em
relação ao exercício de funções por parte de agentes públicos, mas por igual
razão, por parte dos agentes privados. Também, o comportamento dos agentes
privados pode pôr em causa o interesse e o bem público. Não esqueçamos que ainda
está muito enraizada entre nós a mentalidade de que a honorabilidade de
comportamentos se deve exigir apenas aos agentes públicos, porque são pagos com
o nosso dinheiro. Quando cada privado procura salvaguardar o seu interesse, o
seu lucro, então já pode cometer as maiores patifarias.
Lembro-me de
uma história que me foi contada por alguém amigo. Havia um empreiteiro (e há
muitos empreiteiros honestos) que quando se encontrava com um outro amigo que
era presidente de um instituto público, passava, sempre, a maior parte do tempo
criticando, a propósito e a despropósito, o comportamento de quem quer que fosse
pago por verbas do orçamento do Estado. O presidente do instituto conhecia
muito bem algumas das habilidades que o empreiteiro cometia no exercício da sua
atividade e perguntou-lhe: “ouve lá, estás para aí com todo esse teu arrazoado e
achas que eu não sei que tu fazes muito pior?”. O empreiteiro, com grande convicção
respondeu: “e qual é o problema? eu não sou candidato nem a Ministro, nem a Secretário
de Estado”! Esta postura revela bem a mentalidade que, ainda hoje, e inspira o
comportamento de um grande número dos nossos concidadãos.
O Relatório da OCDE
Uma outra
questão que foi, ou tem sido, objeto de ralações infundadas é a do Relatório da
OCDE sobre Portugal. Também aqui estamos perante um problema de “relações”,
neste caso de relações entre diferentes forças políticas, entre o Governo
Português e a OCDE e entre o Diretor de Estudos Económicos da OCDE e o Governo.
A comunicação social, perante o problema levantado deixou-se arrastar pelo eco,
sem cuidar de estudar e analisar o que verdadeiramente estava em causa.
Como se sabe,
as oposições e alguns aparentados soltaram a boca para vir afirmar que o
Governo Português quis condicionar o texto elaborado pelos serviços técnicos da
OCDE, pressionando a OCDE a não incluir no Relatório referências gravosas ao
problema da corrupção em Portugal. O próprio Diretor do Gabinete de Estudos Económicos
da OCDE (anterior governante português), entrou na dança, confirmando que essas
pressões tinham tido lugar. Mais, dispôs-se a vir, e veio, ao Parlamento fazer
declarações no mesmo sentido.
É isto verdade
ou falso? Houve, ou não houve pressões? Do que se consegue perceber, é verdade que as autoridades portuguesas
manifestaram o seu ponto de vista sobre a questão da corrupção junto da OCDE. É,
no entanto, falso que essa manifestação de ponto de vista possa ser
interpretada como uma tentativa das autoridades portuguesas para condicionar a
manifestação de opinião por parte da OCDE. Vejamos porquê.
Toda a gente
sabe, ou senão sabe devia saber, nomeadamente os que se envolveram na polémica,
que a elaboração do Relatório é um processo complexo, que começa com o
fornecimento de informação por parte das autoridades portuguesas, a que se
segue a elaboração de um primeiro draft,
por parte dos serviços técnicos da OCDE. Segue-se um processo iterativo conducente
à obtenção de um consenso entre ambas as partes. Nas negociações levadas a cabo,
qualquer sugestão que vise a alteração da redação do draft não pode ser considerado como uma tentativa de torcer os
resultados da OCDE. Mas o bom senso não imperou, talvez se tenha sobreposto a
ignorância e entrou tudo em paranoia.
Recordo que a
apresentação, em Portugal do referido Relatório contou com a presença do
Secretário-geral da OCDE, ao que creio circunstância pouco comum. Porque terá o
Secretário-geral optado pela sua deslocação a Portugal? Porque entendeu que o
seu Diretor do Gabinete de Estudos estaria a ter um comportamento que
desaconselhava a sua deslocação a Portugal, ou porque não quis que os serviços
da OCDE fossem postos em causa pelas autoridades nacionais aquando da
apresentação do Relatório? É minha convicção que a hipótese verdadeira é a
primeira. Se outra justificação não existisse, as próprias declarações do
Secretário-geral, reproduzidas na imprensa, confirmam-no. Eis essas declarações:
“Temos um processo que é o mesmo em
todos os países. Fazemos 50 relatórios económicos dos países num ciclo de dois
anos”, disse o responsável da OCDE esta segunda-feira em Lisboa.
O
secretário-geral da OCDE explicou que o processo de elaboração do relatório
passa, primeiro, pela missão de recolha de estatísticas e dados. Depois, a
segunda missão resume-se à discussão com as autoridades nacionais.
“É
preparado um esboço, um relatório preliminar. E então, convidam-se os 36 países para dois dias completos de discussão. Discutem-se todos os aspectos. Preparamos
duas missões, depois preparamos a versão preliminar do relatório, submetemos à
discussão com os representantes de Portugal e depois é elaborada a versão
definitiva”, explicou.
“Existem
muitas versões preliminares. Uma delas provocou um pouco de controvérsia.
Parece-nos lamentável, mas não é um problema irreparável. Terminámos o processo
normalmente, tal como em todos os outros países. O que fizemos com Portugal,
fizemos com todos os países”, declarou o secretário-geral da OCDE.
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