Um dos desafios ao mesmo
tempo mais estimulantes e mais esclarecedores que podemos colocar a nós
próprios neste momento consiste em se observar minuciosamente um mapa-mundo e
aí tentar identificar o traçado – previsto e/ou já efectivo – da chamada Nova
Rota da Seda. Uma rede densíssima de ligações rodo e ferroviárias, oleodutos e
gasodutos, cobre já vastíssimas extensões no espaço euro-asiático: pessoas,
petróleo e gás circulam hoje facilmente entre Pequim e Hamburgo, via Ulan
Bator, Novo Sibirsk, Kazan ou Kirov, Moscovo e as capitais bálticas, ou,
alternativamente, Varsóvia, Berlim, Antuérpia e Londres; e a renovação do
trans-siberiano permite chegar de Vladivostock a Madrid, por exemplo. Com a
concepção e desenho daquela Rota, novos corredores económicos estão, igualmente,
a ser desenvolvidos: de Khorgas, na fronteira entre a China e o Cazaquistão,
descendo para Islamabad e conduzindo até ao estratégico porto paquistanês de
Gwadar, visando a ligação a Nairobi; ou, partindo sensivelmente da mesma zona,
ligando de seguida as capitais do Quirguistão, Uzbequistão e Turquemenistão,
descendo ao sul do Cáspio para ligar a Teerão, a Ankara, ao Mediterrâneo
Oriental e a Veneza…[1]
Não menos espectacular, e já
com importantes pontos de concretização, é a Nova Rota da Seda marítima: parte
de Xangai, toca o Vietname, vai a Jacarta, Kuala Lumpur, Banguecoque, Calcutá,
Colombo, Gwadar (contornando a renitência da Índia), Nairobi, Aden, Suez,
Atenas – onde o porto do Pireu é já controlado pela China, Veneza e… Seguem-se
interrogações e hipóteses várias mas, a nós portugueses, convir-nos-á ter bem
presente a diversidade e conteúdo dos acordos de cooperação assinados durante a
visita do Presidente Xi a Lisboa, vindo do canal do Panamá, há pouco mais de um
mês: com base num deles, o porto de Sines, o maior do País, passou a estar
também associado a esta rota marítima, embora não a integrando fisicamente, permitindo
uma expansão clara para a Europa ocidental[2]. E convirá lembrar também as
conversações já desenvolvidas, entre outros, entre o Reino Unido e a China com
vista ao estabelecimento de acordos preferenciais de comércio: a incerteza
despoletada pelo crescente proteccionismo e isolaccionismo americano, a par do
revés sofrido no passado dia 15 com a rejeição do acordo de cobertura do
Brexit, não deixarão de incentivar Theresa May a multiplicar e aprofundar
contactos extra-comunitários desta natureza, como defendem vários
especialistas.
Parece, portanto, ser da
máxima importância que a Europa e, especialmente, a União Europeia, prestem uma
atenção cada vez mais cuidadosa ao que tem origem a Leste. Iniciativas
anteriores de associação económica preferencial que foi esboçando, como a
Parceria com a União Económica Euroasiática (UEE), não têm conduzido a
resultados significativos. Apesar de o Sr. Putin ter proposto, logo em 2011, ao
seu principal cliente de petróleo e gás – a União Europeia - o ideal da criação
de um “mercado único de Lisboa a Vladivostock”, o certo é que os fins últimos da
constituição da UEE consistiriam em criar um contrapeso ao avanço chinês que
não dependesse demasiado da União Europeia, assim se explicando a resistência à
adopção das normas europeias. Por outro lado,a agressividade da política
externa russa, especialmente com a Ucrânia, é intolerável para as democracias
ocidentais e, não menos importante, o autoritarismo de Moscovo não consegue
substituir uma autoridade que fosse comumente aceite pela diversidade
desconfiada de culturas, religiões, nacionalidades e interesses dos múltiplos
estados que proliferam na sua anterior esfera alargada de influência.
Até que ponto os interesses
comerciais – e políticos – externos das duas grandes potências euro-asiáticas,
China e Rússia, virão a encetar caminhos de progressiva cooperação ou, pelo
contrário, de afrontamento crescente, é questão a requerer conhecimentos e
debate muito mais esclarecidos. Tal não deixará de depender das condições de
sustentabilidade do crescimento da 2ª.maior economia mundial, a China, bem como
dos termos em que a economia russa virá a ultrapassar a importante recessão
económica que a tem martirizado, impedindo-lhe a necessária reconversão.
No entanto, do ponto de
vista da União Europeia e, especialmente, dos seus EEMM mais pequenos, como
Portugal, não há tempo para esperar pela resposta àquela questão. A penetração
económica chinesa nas grandes infraestruturas de interconectividade e
energéticas é uma realidade crescente, visando essencialmente os grandes
sectores estratégicos e insinuando-se sabiamente nos pontos fracos do
investimento público ocidental. E nem a escassez de recursos das pequenas
economias pode servir de óbice ou travão: o pouco transparente e colossal
sistema de financiamento chinês tem vindo a impor-se de forma quase
irrecusável, a troco da acumulação de importantes dívidas públicas por parte
dos países “beneficiários” e da correspondente hipoteca chinesa sobre as
infraestruturas que ajuda a financiar[3].
[1] Ver,
entre outros, Maçães, B. (2018). O
Despertar da Eurásia. Em busca da Nova Ordem Mundial. Lisboa: Círculo de
Leitores.
[2] Ver
Dinheiro Vivo de 9/12/2018, https://www.dinheirovivo.pt/economia/uma-rota-nova-para-um-porto-adiado/
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