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19 janeiro 2019

Ventos de Leste


Um dos desafios ao mesmo tempo mais estimulantes e mais esclarecedores que podemos colocar a nós próprios neste momento consiste em se observar minuciosamente um mapa-mundo e aí tentar identificar o traçado – previsto e/ou já efectivo – da chamada Nova Rota da Seda. Uma rede densíssima de ligações rodo e ferroviárias, oleodutos e gasodutos, cobre já vastíssimas extensões no espaço euro-asiático: pessoas, petróleo e gás circulam hoje facilmente entre Pequim e Hamburgo, via Ulan Bator, Novo Sibirsk, Kazan ou Kirov, Moscovo e as capitais bálticas, ou, alternativamente, Varsóvia, Berlim, Antuérpia e Londres; e a renovação do trans-siberiano permite chegar de Vladivostock a Madrid, por exemplo. Com a concepção e desenho daquela Rota, novos corredores económicos estão, igualmente, a ser desenvolvidos: de Khorgas, na fronteira entre a China e o Cazaquistão, descendo para Islamabad e conduzindo até ao estratégico porto paquistanês de Gwadar, visando a ligação a Nairobi; ou, partindo sensivelmente da mesma zona, ligando de seguida as capitais do Quirguistão, Uzbequistão e Turquemenistão, descendo ao sul do Cáspio para ligar a Teerão, a Ankara, ao Mediterrâneo Oriental e a Veneza…[1]

Não menos espectacular, e já com importantes pontos de concretização, é a Nova Rota da Seda marítima: parte de Xangai, toca o Vietname, vai a Jacarta, Kuala Lumpur, Banguecoque, Calcutá, Colombo, Gwadar (contornando a renitência da Índia), Nairobi, Aden, Suez, Atenas – onde o porto do Pireu é já controlado pela China, Veneza e… Seguem-se interrogações e hipóteses várias mas, a nós portugueses, convir-nos-á ter bem presente a diversidade e conteúdo dos acordos de cooperação assinados durante a visita do Presidente Xi a Lisboa, vindo do canal do Panamá, há pouco mais de um mês: com base num deles, o porto de Sines, o maior do País, passou a estar também associado a esta rota marítima, embora não a integrando fisicamente, permitindo uma expansão clara para a Europa ocidental[2]. E convirá lembrar também as conversações já desenvolvidas, entre outros, entre o Reino Unido e a China com vista ao estabelecimento de acordos preferenciais de comércio: a incerteza despoletada pelo crescente proteccionismo e isolaccionismo americano, a par do revés sofrido no passado dia 15 com a rejeição do acordo de cobertura do Brexit, não deixarão de incentivar Theresa May a multiplicar e aprofundar contactos extra-comunitários desta natureza, como defendem vários especialistas.

Parece, portanto, ser da máxima importância que a Europa e, especialmente, a União Europeia, prestem uma atenção cada vez mais cuidadosa ao que tem origem a Leste. Iniciativas anteriores de associação económica preferencial que foi esboçando, como a Parceria com a União Económica Euroasiática (UEE), não têm conduzido a resultados significativos. Apesar de o Sr. Putin ter proposto, logo em 2011, ao seu principal cliente de petróleo e gás – a União Europeia - o ideal da criação de um “mercado único de Lisboa a Vladivostock”, o certo é que os fins últimos da constituição da UEE consistiriam em criar um contrapeso ao avanço chinês que não dependesse demasiado da União Europeia, assim se explicando a resistência à adopção das normas europeias. Por outro lado,a agressividade da política externa russa, especialmente com a Ucrânia, é intolerável para as democracias ocidentais e, não menos importante, o autoritarismo de Moscovo não consegue substituir uma autoridade que fosse comumente aceite pela diversidade desconfiada de culturas, religiões, nacionalidades e interesses dos múltiplos estados que proliferam na sua anterior esfera alargada de influência.

Até que ponto os interesses comerciais – e políticos – externos das duas grandes potências euro-asiáticas, China e Rússia, virão a encetar caminhos de progressiva cooperação ou, pelo contrário, de afrontamento crescente, é questão a requerer conhecimentos e debate muito mais esclarecidos. Tal não deixará de depender das condições de sustentabilidade do crescimento da 2ª.maior economia mundial, a China, bem como dos termos em que a economia russa virá a ultrapassar a importante recessão económica que a tem martirizado, impedindo-lhe a necessária reconversão.

No entanto, do ponto de vista da União Europeia e, especialmente, dos seus EEMM mais pequenos, como Portugal, não há tempo para esperar pela resposta àquela questão. A penetração económica chinesa nas grandes infraestruturas de interconectividade e energéticas é uma realidade crescente, visando essencialmente os grandes sectores estratégicos e insinuando-se sabiamente nos pontos fracos do investimento público ocidental. E nem a escassez de recursos das pequenas economias pode servir de óbice ou travão: o pouco transparente e colossal sistema de financiamento chinês tem vindo a impor-se de forma quase irrecusável, a troco da acumulação de importantes dívidas públicas por parte dos países “beneficiários” e da correspondente hipoteca chinesa sobre as infraestruturas que ajuda a financiar[3].



[1] Ver, entre outros, Maçães, B. (2018). O Despertar da Eurásia. Em busca da Nova Ordem Mundial. Lisboa: Círculo de Leitores.
[2] Ver Dinheiro Vivo de 9/12/2018, https://www.dinheirovivo.pt/economia/uma-rota-nova-para-um-porto-adiado/

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