Desde há longos anos os economistas da saúde
reconhecem a inadequação do mecanismo de mercado para satisfazer as necessidades
de saúde.
Recordamos o trabalho do americano e Prémio
Nobel - Kenneth Arrow - com mais de meio século, o qual em “Uncertainty and the
Welfare Economics” pormenorizou as razões profundas pelas quais não se pode
confiar ao mercado concorrencial a função de prestação de cuidados de saúde.
É certo que o mundo actual é hoje diferente,
em aspectos importantes, desde o extraordinário progresso da medicina ao
reconhecimento ao direito à saúde como um Direito Humano, ao mesmo tempo que
são bem mais elevados os custos dos tratamentos, entre eles os de alguns
medicamentos.
De qualquer forma, o que é intrínseco à
situação de doença e os requisitos exigidos a quem cabe a prestação de cuidados
de saúde mantêm-se inalteráveis, pelo que permanecem válidas as ideias defendidas
por Arrow.
Como é evidente, sem uma intervenção deliberada
das políticas públicas, só um pequeno grupo de pessoas teria acesso a cuidados de
saúde de qualidade.
Um passo importante neste sentido foi dado,
em Portugal, com a criação do SNS, que tem vindo a ser objecto de debate alargado
a propósito da nova Lei de Bases da Saúde, trazendo à luz do dia posições que,
em alguns casos, se inspiram num modelo de concorrência entre os sectores público
e privado.
Parece-nos um dever de cidadania estar atento
a este debate e acompanhar o que se vai passando noutros países, desde logo o
SNS do Reino Unido, bem mais antigo do que o nosso, pois foi criado em 1948.
Um artigo publicado em Project Syndicate, 3
de dezembro de 2018, (“Putting
the Public Back in Public Health” por Mariana Mazzucato, economista e
professora na Universidade de Sussex, chama a atenção para a subida de preços
pela indústria farmacêutica, que está a afectar de forma insustentável o SNS
inglês, ao mesmo tempo que, a nível mundial, cria uma barreira de acesso a
medicamentos para 2 mil milhões de pessoas e, em cada ano, empurra 100 milhões
de pessoas para a pobreza extrema.
Como a autora refere “as doenças que não criam um crescimento potencial dos mercados são
largamente ignoradas”. Entre 2000 e
2011, só 4% dos medicamentos com aprovação recente foram para doenças que
afectam predominantemente os países de rendimentos baixos e médios. (…) Na
Europa, entre 2000 e 2014, 51% das novas drogas aprovadas foram versões
modificadas de medicamentos existentes, e assim sem benefício adicional para a
saúde. (…) Entre 2007 e 2016, as 19 empresas farmacêuticas cotadas no índice
S&P 500, focadas unicamente na criação de valor para o accionista, despenderam
297 mil milhões de USD na recompra das suas próprias acções para elevar a cotação
de mercado, e assim a remuneração dos seus executivos. Aquele valor corresponde
a cerca de 61% dos seus gastos em I&D nesse mesmo período”.
Perante estes factos, Mariana Mazzucato salienta
o papel que os governos devem assumir não só para reorientar as inovações no
domínio da indústria farmacêutica, como também no combate à financeirização desta
indústria, que está mais focada no valor para o accionista do que no
investimento em I&D.
A autora conclui o seu artigo da seguinte
forma:
“Para que os cuidados
de saúde possam de novo corresponder aos interesses da população, ainda nos
podemos inspirar no SNS. A missão dos seus fundadores era criar um sistema que
servisse a todos, de prestação gratuita, e respondendo às necessidades dos
doentes e não à sua capacidade de pagamento. Os decisores políticos actuais
deveriam reafirmar esta missão essencial.“
Esta conclusão é a mensagem que, apesar de
muitos obstáculos a vencer, esperamos venha a inspirar a nova lei de Bases da Saúde
e as reformas que, a partir dela, haverá que concretizar, com seriedade e
respeito pelo bem-comum.
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