Em
informação ontem publicada, o INE informa-nos que o índice
de bem estar (IBE) dos Portugueses voltou a subir em 2017[1]. A notícia é só por si
positiva? Talvez, mas parece-nos conveniente dissecar um pouco mais a
informação analisando as duas componentes do IBE – os índices sintéticos de
Condições Materiais de Vida (CMV) e de Qualidade de Vida (QV).
Começado
a publicar em 2004, o IBE tem vindo a revelar uma subida constante desde então,
embora com quebras acentuadas no período da última crise que marcaram sobretudo
as condições materiais de vida entre 2009 e 2013. Aqueles dois indicadores
sintéticos têm evoluído, aliás, de forma bastante distinta, com o índice das
condições materiais de vida a conhecer quebras consecutivas, embora de
diferente intensidade, antes e depois da crise. Pelo contrário, o índice
sintético da qualidade de vida cresceu sempre antes e, sobretudo, durante e a
seguir à crise. Afectando grandemente o primeiro daqueles dois indicadores
encontramos, por sua vez, o domínio do Bem-estar económico (BEE) cuja evolução
até 2014 não foi suficiente para evitar a tendência decrescente do índice CMV,
sobretudo devido ao comportamento negativo dos domínios Vulnerabilidade
Económica e Trabalho e Remuneração. Segundo a explicação avançada pelo INE, as
principais razões do mau comportamento do domínio Vulnerabilidade Económica têm
sido o desemprego e a dificuldade em fazer face aos compromissos com a
habitação.
Sabendo-se,
entretanto, que o endividamento das famílias portuguesas está de novo a
aumentar e que nessa dívida pesa, essencialmente, o crédito à habitação, não
será este o momento de nos questionarmos, uma vez mais, sobre a ética bancária
face às facilidades crescentes concedidas neste domínio? Não se terá aprendido
com a experiência?
Entretanto,
e sempre segundo o mesmo documento do INE, verificaram-se melhorias
significativas desde 2014 no âmbito da Vulnerabilidade Económica,” devidas
sobretudo à redução da taxa de privação material e da taxa de risco de pobreza”,
embora os gráficos apresentados voltem a mostrar uma subida das mesmas e,
sobretudo, da taxa de privação material nos dois últimos anos (INE, op. cit
página 5), reversão que mereceria ser analisada. Ora uma questão que aqui poderá
colocar-se é se não deverão igualmente ser tomadas em conta as desigualdades na
repartição de rendimentos entre as famílias portuguesas? Isto é, qual a percentagem
das famílias efectivamente beneficiadas pela redução da vulnerabilidade
económica?
Já
relativamente ao domínio Trabalho e Remuneração, embora a maioria dos sub-
domínios venha registando uma evolução
positiva após a crise, convém no entanto destacar as seguintes contra
tendências: a expectativa da perda de emprego a 6 meses, a taxa de desemprego
da população com o Ensino Superior e a da população dos 15 aos 34 anos têm
vindo a aumentar desde a instalação da crise e não cederam nos últimos anos –
2014 a 2017 (INE, op. cit, página 5).
Como se trata de dados preliminares,
poderão subsistir algumas incorrecções no cálculo destas últimas tendências? A
não ser assim, qual a razão que leva ao encobrimento destas tendências
desfavoráveis durante o actual executivo?
E
quanto ao indicador da Qualidade de Vida (QV)?
O
grande domínio de deficiência é o que remete para as condições de conciliação
entre trabalho e família, sobre o qual muito haverá a dizer em momento próprio.
No que respeita aos domínios da Segurança pessoal e Ambiente verificam-se
evoluções irregulares embora o retrato final (2017) pareça ser mais optimista.
Já quanto à Participação cívica e governação, em que se destaca o crescimento
explosivo do sub-domínio da Participação em actividades públicas a carecer de
explicação, Relações socias e bem-estar subjectivo, Saúde e Educação, a
evolução das tendências é francamente positiva.
No
entanto, convém salientar os seguintes aspectos que não merecem destaque na
publicação:
- no
que respeita à Educação, verifica-se uma importante evolução negativa entre
2016 e 2017 essencialmente devido ao aumento do abandono precoce de educação e
formação, à queda do número de doutoramentos por 1000 habitantes, e,
especialmente, ao grande aumento da taxa de retenção e desistência no final do
ensino Básico. De novo, a provisoriedade dos dados? Cálculos incorrectos? Nada
a dizer?
-
relativamente à saúde, os dados relativos à percepção positiva sobre o
funcionamento dos serviços de saúde e à qualidade da saúde são descontinuados
em 2015…
A
quem interessa a não consideração destes últimos aspectos?
Não
podemos, portanto, dar-nos por satisfeitos com o crescimento de um indicador
sintético sem atender às tendências evolutivas das suas principais componentes.
[1] INE,
Destaque- Índice de Bem-estar 2004-2017, 7 de Novembro de 2018.
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