Passados 26 anos sobre a data em que a ONU
instituiu o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a ocasião foi
pretexto para, mais uma vez, se chamar a atenção para a necessidade de uma
maior consciência social face à persistência das precárias condições de vida de
muitos portugueses.
Com efeito, se é verdade que nos últimos 3
anos tem vindo a diminuir a taxa de pobreza, são ainda pobres mais de 2 milhões
de pessoas, e a intensidade da pobreza, que vinha a decrescer desde 2015, terá
aumentado em 2017.
Erradicar a pobreza em todas as suas
manifestações é inegavelmente um dever ético, parecendo que sobre este dever
poderá ser alcançado, a prazo mais ou menos longo, um consenso nacional.
Já quando está em causa combater as
desigualdades na distribuição de rendimento, um traço negativo que nos coloca
muito mal no contexto europeu, esse consenso estará longe de ser atingido: são
evidentes as resistências a políticas salariais mais igualitárias ou de redistribuição
de rendimento por via de uma fiscalidade mais justa, por parte dos que se
sentem perdedores.
É duvidoso que a generalidade das pessoas reconheça
as desigualdades como uma falha ética que as interpela, atitude diferente da
que manifestam face à pobreza.
Ainda subsiste, por outro lado, a errada
ideia - que nem a ciência nem a observação empírica sustenta - de que basta
promover o crescimento económico para que as desigualdades acabem por ser
esbatidas.
Além disto, os defensores do neoliberalismo,
que sempre adoptam uma atitude crítica acerca das políticas intervencionistas
do Estado, tentam apresentar como sendo sólidos os seus argumentos contra
medidas igualitárias pelo impacto negativo que lhes atribuem: distorção do
mercado, ineficiência das políticas públicas, obstáculo ao crescimento.
Este último argumento tem alimentado aceso
debate, sendo que, para alguns, a maior desigualdade é condição necessária para
alcançar maior ritmo de crescimento, enquanto outros consideram que a maior
desigualdade causa menor crescimento.
Eventualmente, o aprofundar do conhecimento
acerca dos custos sociais das desigualdades económicas por parte de reputados
cientistas, acabará por enfraquecer os defensores da primeira tese, incluindo
organizações internacionais relevantes.
Uma outra questão é o risco de minimizar o
papel que a redução das desigualdades pode ter no combate à pobreza, como se não
fosse estreita a relação entre estas duas realidades.
Um recente artigo de Paul Segal “Inequality Represents a Wasted Opportunity
for Poverty Reduction publicado pelo Institute for Economic Thinking, a 4 de Outubro[i]” apresenta esta ideia de forma bem expressiva: os economistas que atribuem
às desigualdades um papel secundário face à pobreza estão errados: A desigualdade
faz parte daquilo que alimenta a pobreza.
Quantos poderiam estar de acordo com Paul
Segal? Quantos reconhecem que o problema da pobreza não é apenas uma questão de
falta de recursos, ele é também causado pelo facto dos mais ricos deles se
apropriarem em excesso.?
Sendo afirmativas as respostas, conclui
Segal, se acreditamos que a redução da pobreza é um imperativo moral, não
podemos deixar de enfrentar as desigualdades.
Em síntese, três tópicos:
- a pobreza pode persistir como resultado das
desigualdades, apesar de um crescimento económico sustentado, enquanto uma
menor desigualdade pode conduzir a um crescimento mais rápido e duradouro;
- com demasiada frequência as desigualdades e
a pobreza são erradamente tomadas, em larga medida, como variáveis
independentes quando na verdade uma e outra espelham estatisticamente a mesma
distribuição de rendimento;
- o combate às desigualdades é instrumental
na luta contra a pobreza e é, da mesma forma, um imperativo ético.
[i] https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/inequality-represents-a-wasted-opportunity-for-poverty-reduction
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