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23 agosto 2018

Um excelente exemplo de transdisciplinaridade: análise dos mercados financeiros, há 500 anos e agora


Foi hoje publicado na Royal Society Open Science um estudo sobre mercados financeiros, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e cujos autores são cinco investigadores portugueses. Dada a dificuldade de publicar resultados de investigação em revistas científicas de referência internacional, este facto é, só por si, digno de menção.

Mas é-o também por razões muito mais profundas. O estudo, Structural and temporal patterns of the first global trading market, tem como primeira autora Ana Sofia Ribeiro, doutorada em Economia  pela Universidade de Évora e aí investigadora, e outros quatro co-autores de diferentes universidades e centros de investigação[1]. As suas competências desdobram-se pelas áreas da Economia, História Social e Estudos da Cultura, Engenharia de Sistemas e Computadores, História e Estudos Políticos Internacionais e Biologia Molecular e Ambiental.

A primeira questão que pode colocar-se é a seguinte: conseguirão valências aparentemente tão díspares trabalhar em conjunto num mesmo projecto de investigação?

Pois não só o conseguiram como, de forma transdisciplinarmente muito rica, conceberam e aplicaram uma metodologia totalmente inovadora: combinando a análise histórica, a análise quantitativa da complexidade das redes financeiras e a moderna análise de redes, conseguiram proceder à comparação de um mesmo processo – as redes financeiras globais – distantes no tempo cerca de 500 anos. Desta forma vieram a ultrapassar os problemas da falta e da inconsistência de dados estatísticos, normais numa comparação entre períodos de tempo tão distantes.

Pode então concluir-se que o estudo se notabilizou por esta metodologia?

Não só. Os resultados a que permitiu que se chegasse são igualmente importantes e  contribuem para a compreensão dos mercados financeiros globais da actualidade. Tomando como ponto de partida para a análise a documentação manuscrita do icónico mercador de Castela Simon Ruiz e sua rede de relações mercantis e bancárias, altamente globalizada, constituíram uma base de dados (8725 notas de transação) que cobre o período de 1550 a 1606, a qual foi objecto de análise de conteúdo e tratamento informático. Refira-se que aquelas transacções envolviam agentes nas principais cidades alemãs da época, Londres, Antuérpia, Génova e Roma. Mas também se encontram relações com parceiros da América espanhola, Brasil, Cabo Verde e Índia.

Na sua forma de gestão daquela rede de negócios, Simon Ruiz aplicaria então, segundo os autores, estratégias que ainda hoje marcam a coesão e a subsistência das redes financeiras globalizadas: a repartição das transacções por um número muito elevado de pequenos parceiros, de modo a diminuir o risco, a preservação de um grupo reduzido de parceiros de grande  dimensão e com grande estabilidade do negócio, para além de uma carteira de crédito que servia “individualidades” como os Grandes de Espanha. Aspectos que os autores deduzem ser de natureza estrutural, mantendo-se nos mercados financeiros actuais embora com distintas roupagens.

É bem verdade que a História nunca se repete da mesma forma. Mas análises como a presente vêm por a descoberto a existência de vagas de fundo que subjazem a fenómenos temporalmente muito afastados. Assim se consigam constituir equipas de investigação com tal riqueza em competências e concepção metodológica.



[1] Além de Ana Sofia Ribeiro, são autores Flávio Pinheiro e Francisco C. Santos (ambos do consórcio Instituto Superior Técnico *MIT), Amélia Polónia (Departmento de História e Estudos Políticos Internacionais, Universidade do Porto) e Jorge M. Pacheco (Centro de Biologia Molecular e Ambiental, Universidade do Minho).

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