A edição em português do livro de Jean Tirole (prémio Nobel da Economia em 2014) teve o mérito de chamar a atenção para um conceito esquecido – o bem comum. Contudo, salvo raras excepções, depois do anúncio do prémio e da presença do autor numa conferência realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, correu-se a cortina do silêncio sobre o alcance do bem comum enquanto enfoque nucleador da economia.
Dentro em breve voltará ao debate político nacional o plano e o orçamento para 2019. Não faltará a habitual controvérsia entre governo e oposição. Seria interessante que se convocasse para o debate o critério do bem comum e que os vários actores políticos explicitassem o seu entendimento do que seja o bem comum e a relevância que lhe conferem enquanto critério de apreciação de objectivos e instrumentos das propostas em apreciação. Talvez por esta via pudéssemos aspirar a um desejável patamar de exigência e pragmatismo superior ao usual.
A este propósito li, há dias, um interessante artigo de Enzo Bianchi com o título que escolhi para este post. Dele transcrevo alguns parágrafos, a título de convite a uma leitura na íntegra do supracitado artigo cuja versão em português pode encontrar-se aqui:
Bem comum, expressão composta por duas palavras, é um conceito essencial para a convivência, para a qualidade de vida na polis. “Bem” indica aquilo que nós queremos e aquilo que auguramos às pessoas a que estamos ligados: o bem (“bonum”) é quanto os homens e mulheres desejamos para viver em plenitude. Bem comum não é simplesmente um património comum, alguma coisa de material possuído em conjunto, mas é o conjunto das condições de vida que favorecem o “bem-estar”, a humanização de todos: bem comum são também a cultura, a democracia, a arte… O destinatário natural do bem comum não é, então, o indivíduo, mas a pessoa na sua unicidade e inteireza.
A sociedade é antecedente ao indivíduo, como a unidade do corpo é antecedente aos membros que o compõem: por isso o bem de cada um precisa do bem comum que o precede e que lhe permite definir-se. Hoje vemos como é dominante a conceção individualista e utilitarista da sociedade e pensamos que a organização da cidade tem de garantir aos seus membros os direitos individuais, mas deste modo reduzimos o interesse geral à simples soma dos interesses individuais e negligenciamos o bem comum.
É preciso regressarmos, todos juntos – independentemente do credo, mas considerando como tesouro as riquezas que ele encerra – à procura do bem comum, até porque as ciências humanas atestam, cada vez mais, que viver é estar entre os seres humanos, viver as relações humanas é Será verdade que a economia é o fundamento da sociedade e que o útil é a sua única razão de ser? Será verdade que cada um tenha de perseguir o próprio interesse e que ninguém possa intervir e perturbar o jogo? A vida boa diz respeito apenas à vida privada dos indivíduos ou os direitos individuais devem ser temperados com os direitos dos outros, na procura do bem comum? É por isso que a vida boa não pode ser ditada só pela economia e pela capacidade de consumo.
(…)
Sem ecossistema relacional, comunitário, político, não pode haver caminho de humanização, mas apenas o perseguir interesses individuais e egoísmos competitivos que conduzem à injustiça, desigualdade e, consequentemente, ao conflito, violência, guerra.
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